Foi aprovado na generalidade um
projeto de lei que permite a coadoção por pares homossexuais, ou seja, a adoção
por uma pessoa casada com outra do mesmo sexo (ou a ela unida de facto) quando em
relação a esta já esteja estabelecida a filiação, natural ou adotiva. O que
significará que por esta via se poderá tornear facilmente a atual proibição da
adoção conjunta por pares do mesmo sexo, deixando-se «entrar pela janela aquilo
a que se fechou a porta»: basta que uma das pessoas adote singularmente, ou que
uma mulher recorra à procriação artificial num país que não a proíba (os casos
mais frequentes na prática), e depois o seu cônjuge, companheira ou companheiro,
solicite a coadoção. Dizem os apoiantes do projeto que se trata apenas de
proteger situações já existentes. Mas função de uma qualquer lei não é
reconhecer factos consumados ou regular situações já existentes, ela vigora
para o futuro e abre (ou não) as portas a novas situações. Aqui, trata-se da
possibilidade de alcançar, pela via indicada, alguns dos resultados a que
chegaria através da legalização da adoção conjunta. É bom ter presente este
facto para não cair na ilusão de que o projeto aprovado difere substancialmente
dos que foram rejeitados e que admitiam a adoção conjunta por pares do mesmo
sexo. Trata-se de uma opção estratégica de alcançar o mesmo resultado de forma
gradual e menos ostensiva.
Corresponde a uma intuição do bem
senso, e sempre tal foi afirmado pelos manuais de psicologia do desenvolvimento
infantil, que o bem da criança e o seu crescimento harmonioso reclamam a
presença de uma figura materna e de uma figura paterna, sendo de todo
lamentável a ausência de qualquer delas. Nenhum pai substitui uma mãe, tal como
nenhuma mãe substitui um pai. Como afirma o filósofo e teólogo Xavier Lacroix,
todos crescemos num duplo jogo de identificação e diferenciação, todos
recebemos o amor segundo estas duas cores e estas duas vozes, masculina e
feminina, pois nenhuma delas esgota a riqueza do humano. Assumir legalmente a
filiação por duas pessoas do mesmo sexo é, de acordo com a filósofa Sylviane
Agacinsky, negar violentamente a incompletude e finitude de cada um do sexos em
relação ao outro, é simbolizar, aos olhos dos visados e de toda a sociedade, a
negação da limitação de cada um dos sexos e, consequentemente, a negação da
riqueza da dualidade sexual.
Não é por acaso que a filiação
envolve dois progenitores, não só um, mas também não três ou quatro: porque
cada um deles, na sua unicidade, é portador de uma especificidade (a que é
própria do seu sexo) que completa e enriquece a do outro.
O pedopsiquiatra Christian Flavigny,
por seu turno, salienta (em Je veux papa
et maman – «père- et- mère» congédiés par la loi; Salvator, 2013) como a
identidade da criança se constrói a partir da noção de que foi gerada pela
união entre o pai e a mãe. Isso é possível quando ela é adotada por um homem e
uma mulher, que sempre poderiam ser seus pais biológicos, mas nunca quando é
adotada por duas pessoas do mesmo sexo (ou coadotada por uma delas), que nunca
poderiam ser seus pais biológicos, como ela sabe. Neste caso, a adoção serve de
ficção legal falsificadora e geradora de uma confusão prejudicial à construção
dessa identidade. Convenhamos que será difícil explicar a essa criança (numa
nova versão da “história da cegonha”) como é que na sua origem pode estar uma
relação entre pessoas do mesmo sexo…
É por estas razões que sempre o
regime da adoção foi concebido no sentido de a aproximar da filiação natural,
para que a criança adotada se sinta o mais possível semelhante à que é criada
pelos pais biológicos. E também para que a criança adotada não se sinta
diferente das que o não são, muitos pais adotantes procuram ocultar de outras crianças
o facto de ela ser adotada, o que nunca será possível quando é adotada por um
par do mesmo sexo.
Ao
contrário do que muitas vezes se diz, não há “consenso científico” a respeito
da ausência de malefícios da educação de crianças por pares do mesmo sexo. O
estudo mais extenso até hoje realizado, do professor da Universidade do Texas
Mark Regnerous, publicado na revista Social
Science Research, demonstra o contrário.
Também foi aprovada recentemente em
França a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, associada à
possibilidade de adoção. Mas o que a todos surpreendeu e ultrapassou todas as
expectativas, foi a mobilização popular de oposição a esse projeto, que
continua e não dá sinais de cessar. Realizaram-se, por várias vezes,
manifestações das mais numerosas dos últimos anos. Juntaram-se pessoas de
sensibilidades muito diferentes: católicos, mas também fieis de outras
denominações religiosas e intelectuais laicos e de esquerda. Essa mobilização provocou,
de acordo com as sondagens, a inversão da opinião geral a respeito do projeto:
de uma aceitação claramente maioritária a uma oposição.
Um sinal de que não estamos perante
“conquistas irreversíveis” contra as quais nada pode fazer-se.