Pedro Vassalo
Ao perceber que o INFOVITAE faz 10 anos tive uma sensação de estranheza. Não por qualquer razão complicada mas, tão simplesmente, por perceber que já se foram dez anos de história, de leitura diária, de companhia, de reflexão, de persistência a tentar mostrar e a desmontar ao mundo, como as mentiras que nos impigem, de tão repetidas, passam a ser verdades absolutas.
Já passaram dez anos? Nem dei por eles.
Outra estranheza, bem diferente, nasce da responsabilidade de escrever para um boletim electrónico que nos tem habituado à qualidade: ou seja in
Opto por partilhar um assunto a que já tenho aludido em outros encontros, em especial quando se trata de discutir o plano de intervenção da comunicação social (CS) nestes assuntos da “vida”. O que poderá fazer sentido, na medida em que o INFOVITAE é, no fundo, também uma forma de comunicar com o mundo.
Indo ao ponto, a tese é simples: a CS ao dar a todos os intervenientes neste debate o mesmo espaço, igual capacidade opinativa, a mesma presunção de verdade e adoptando uma atitude (mesmo que apenas formal) de imparcialidade está, em substância, a tomar posição por uma das partes, negando afinal aquilo que diz (e eventualmente pretende) defender.
Reconheço as fraquezas deste argumento, em especial em sociedades que se pretendem abertas, democráticas e disponíveis para o diálogo. Mas, só por miopia, e indisfarçável inclinação ideológica, se pode afirmar que bom jornalismo significa tratar todos por igual, como se todas e quaisquer posições, sobre matérias tão importantes quanto esta, fossem qualitativamente do mesmo calibre, tivessem o mesmo peso e merecessem tratamento semelhante. A equidistância nestas matérias significa, na prática, atribuir às partes a mesma presunção de verdade e emprestar igual oportunidade de defesa, o que não é válido.
Porque praticar, neste caso concreto, a equidistância corresponde a afirmar que cada uma das partes em confronto tem o seu quê de verdade, que esta será matéria sujeita à opinião pessoal, e que só o escrutínio individual, uma vez informado (esclarecido?) dos argumentos, a favor e contra, pode decidir.
Não será preciso escavar muito para perceber que em matérias de direitos humanos, provavelmente só a questão do aborto merece tal tratamento, supostamente equidistante, por parte da CS. Vejamos o caso da escravatura. Será que a CS daria o mesmo tratamento jornalístico a quem, por exemplo, defendesse a sua reintrodução? E a quem argumentasse a favor da tese nazista sobre o povo judeu? E sobre o fim do poder sindical? A lista seria imensa como qualquer um perceberá.
O ponto que interessa considerar é que ao publicitarem-se os argumentos contra e a favor de que um feto não é um ser humano, estar-se-á, na prática, a colocar os argumento em pé de igualdade sem dar preferência a nenhum.
A consequência, terrível, é directa e percebe-se facilmente: o direito de um feto continuar a viver (vida de um terceiro), dependerá, afinal, da opinião que cada um dos seis biliões do planeta tem sobre o assunto.
Numa palavra, e na questão do aborto como em tantas outras que radicam nos direitos fundamentais do Homem, não tomar posição significa, na prática, tomar posição!
E isto percebe-se melhor quando a CS não avança, como é seu bom e saudável costume, no aprofundamento do assunto. Exemplo? Pedem-se provas a quem defende a vida desde o seu início (e início é mesmo isso que significa, começar do zero, o que no caso em apreço só pode ser na concepção, porque antes não há nada). Estamos de acordo quanto ao pedido da prova, que até existe e é abundante. Mas, curiosamente, ou talvez não, a quem defende o contrário (a vida começará às X semanas) há uma enorme tolerância quanto ao fornecimento de provas, suporte científico e até filosófico do argumento. Porque, para estes, como não há verdade e evidência científica, deduz-se em consequência que a vida poderá começar quando cada um lhe apetecer, visto ser matéria destinada à consciência de cada um.
Dito isto importa concluir com uma questão prática: como impedir a opinião dos abortistas numa sociedade democrática? Resposta: não há como! Mas a CS poderia, como o faz em tantos outros casos, tomar posição editorial, fazer as perguntas certas (em regra inconvenientes), publicitar exemplos, suscitar dúvidas, citar a evidência científica e, obviamente, evitar divulgar a opinião de quem defende (eventualmente por ignorância) a morte de terceiros por uma mera questão de convicção.
E enquanto isso não acontece, ou só existe em raras excepções, resta insistir na divulgação da verdade, quer seja científica quer cívica (filosófica, ética e humanista). É esse o inestimável valor do INFOVITAE.
E termino com uma nota de esperança: mais de 50 anos depois do fim da II guerra, os médicos alemães patrocinaram um congresso, com um único ponto da ordem de trabalhos: “Como foi possível?”. Traduzindo: como foi possível que tantos e tantos médicos alemães tenham patrocinado a causa (supostamente científica) nazi de considerar todo um povo como sub humano. Presumo que o congresso terá mais edições, daqui a uns anos.