segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Ecclesia, uma agência minada?


1. Nos textos que vou escrevendo tenho-me referido com frequência aos desserviços que a Rádio Renascença, não obstante algumas qualidades óbvias, tem prestado, quer por actos quer por omissões, à desumanização e descristianização de Portugal. Tenho até agora “ignorado” a agência ecclesia não só por supor que o seu impacto na opinião pública será menor mas principalmente por recear que me acusem de ressentimento no caso de a criticar. Hoje, porém, dei-me conta de que é uma grande falta de humildade temer o juízo injusto dos outros – enfim, mais vale tarde do que nunca. Para que se entenda o meu pudor deverei contar a traços largos os fundamentos da minha apreensão. Depois da Polícia Judiciária (PJ) contactar a dita agência em virtude de um artigo meu – Os Abortófilos – que eles tinham colocado no seu sítio, todos os artigos eu que ali tinha publicado foram retirados – tratar-se-á, admito, de uma coincidência. Importa fazer aqui um parêntesis para informar que depois de um julgamento e recurso ao Tribunal da Relação fui ilibado, inocentado, da acusação que a APF fazia contra mim. A agência em questão tinha, no seu sítio, escritos meus desde, pelo menos, 1997, sendo que ao menos um foi escrito a pedido dela. Ignoro se também fizeram desaparecer os números do seu boletim em papel que continham textos da minha autoria. Mas sei muito bem que o direito a rescrever a história eliminando textos ou fotografias está consagrado, pelo menos, desde o estalinismo. Quanto ao que me diz respeito, não coloco objecções, não tenho pretensão alguma de que os meus escritos mereçam ser publicados e acho mesmo que provavelmente o destino de serem queimados é o mais apropriado. Já, algum tempo antes da PJ se tinham recusado a publicar um texto intitulado “Homossexuais activos na vida Religiosa”. Parece que não era conveniente falar de um assunto que todo o mundo abordava aquando do escândalo dos padres abusadores de menores nos EUA. Nada a opor, eles lá têm a sua linha editorial e são evidentemente livres de a prosseguirem como entenderem.

Depois, aconteceu aquele famoso “anúncio” num jornal diário, que provocou um enorme sobressalto na Igreja em Portugal e um grande tumulto na comunicação social e no mundo político, no qual eu comunicava que em virtude do Cânone 915, do Código de Direito Canónico, estava impedido de dar a Sagrada Comunhão a quem manifestamente (publicamente) persistisse em estado de pecado grave, exemplificando que esse era o caso (entre outros) de quem permanentemente advogava a legalização do aborto e cirúrgico, hormonal ou mecânico[1]. Logo a agência ecclesia se apressou a publicar umas declarações do Senhor Cardeal Patriarca - "Espero que todos percebam que aquela posição não é a posição oficial da Igreja, que não é a posição da hierarquia" -, e do então meu superior provincial – A posição da Igreja “… não coincide totalmente, como o documentam as reacções de alguns dos seus autorizados porta-vozes (Cf. Declarações de Dom José da Cruz Policarpo à Renascença), com o teor da intervenção do P. Nuno Serras Pereira -, desmentindo-me. Profundamente preocupado, não com o direito de resposta, mas com a perniciosidade dessas declarações ou comunicados que teriam como efeito induzir a multidão dos fiéis em erro, solicitei que me publicassem um texto intitulado: “A Minha Posição e a Doutrina Oficial do Magistério da Igreja (03. 03.2005) que pela sua extensão sintetizo em nota de rodapé[2] (caso queira ler o artigo original pode fazê-lo em: http://jesus-logos.blogspot.com/2009/11/minha-posicao-e-doutrina-oficial-do.html). A agência da Conferência Episcopal Portuguesa recusou-se a publicá-lo. Também a Rádio Renascença, com quem fiz igual diligência, propriedade do Patriarcado de Lisboa e da Conferência Episcopal se recusou quer a referi-lo quer a fazer uma síntese ou a dar conhecimento desse importante Documento da Santa Sé que eu citava abundantemente e que confirmava em absoluto a minha posição. Se alguém pesquisar no sítio da agência ecclesia o meu nome “Nuno Serras Pereira” somente, tanto quanto pude verificar, encontrará a minha “condenação” ditada pelas duas autoridades referidas. Não o lamento, no que à minha pessoa diz respeito, pois para mim é um título de glória. E do ponto de vista de estima e consideração, mantenho-as iguais em relação a todos os implicados.

2. a) Quem se der ao trabalho de pesquisar nomes de católicos dissidentes do Magistério da Igreja em temas tão graves como o da liberalização do aborto provocado, da experimentação letal em embriões humanos, do “casamento” de sodomitas e da eutanásia, disfarçada de testamento vital encontrá-los-á em abundância e sem nenhuma nota crítica. Pesquise, por exemplo, José Manuel Pureza, Maria Barroso, Cavaco Silva, Paulo Rangel, Maria de Belém Roseira.

b) Se quiser topar, por exemplo, com uma crítica injustíssima e imbecil, embora em linguagem doce, à Humanae vitae do Papa Paulo VI, na celebração dos seus quadragésimo aniversário, basta clicar: http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?&id=62110; ou uma idiotia perversa sobre o Documento da Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé intitulado "Considerações sobre os projectos de reconhecimento legal das uniões entre pessoas homossexuais", basta clicar em http://www.agencia.ecclesia.pt/cgi-bin/noticia.pl?&id=2364.

3. É possível, há lá alguma coisa impossível nos dias de hoje, que alguns se regozijem com este politeísmo doutrinal, mas espero que aqueles de mente lúcida e juízo são, na sua indignação contra as más notícias não lapidem o mensageiro que as dá a conhecer.

Nuno Serras Pereira

09. 11. 2009



[1] Participação aos Interessados - 02. 03. 2005

Na impossibilidade de contactar pessoalmente as pessoas envolvidas o padre Nuno Serras Pereira, sacerdote católico, vem por este meio dar público conhecimento que, em virtude do que estabelece o cânone 915 do Código de Direito Canónico, está impedido de dar a sagrada comunhão eucarística a todos aqueles católicos que manifestamente têm perseverado em advogar, contribuir para, ou promover a morte de seres humanos inocentes quer através de diversas pílulas, do DIU, da pílula do dia seguinte – ou outras substâncias que para além do possível efeito contraceptivo possam ter também um efeito letal no recém concebido; quer por meio das técnicas de fecundação extra-corpórea, da selecção embrionária, da crio preservação, da experimentação em embriões, da investigação em células estaminais embrionárias, da redução fetal, da clonagem…; quer através da legalização do aborto (votar ou participar em campanhas a seu favor), o que inclui a aceitação ou concordância com a actual “lei” em vigor (6/84); quer, ainda, pela eutanásia.

O respeito pelo culto e pela reverência devida a Deus e a Seu Filho sacramentado, o cuidado pelo bem espiritual dos próprios, a necessidade de evitar escândalo, e a preocupação pelos sinais educativos e pedagógicos para com o povo cristão e para com todos são razões ponderosas que, seguramente, ajudarão a compreender a razão de ser deste grave dever que o cânone 915, vinculando a consciência, exige dos ministros da Eucaristia.

Da parte de Nosso Senhor Jesus Cristo convido todos ao arrependimento e à retractação pública, para que refeita a comunhão com Deus e com a Sua Igreja possam receber digna e frutuosamente o Corpo do Senhor.

[2] Não Matarás, Cânone 915 e Comunhão Eucarística - A Doutrina da Igreja

O Conselho Pontifício para os Textos Legislativos, de acordo com a Congregação para a Doutrina da Fé e com a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, declara:

1. A proibição feita no cânon 915, por sua natureza, deriva da lei divina e transcende o âmbito das leis eclesiásticas positivas: estas não podem introduzir modificações legislativas que se oponham à doutrina da Igreja. O texto das Escrituras ao qual a Tradição eclesial sempre remonta é o de São Paulo: 1 Cor 11, 27-29.

Este texto diz respeito primeiramente ao próprio fiel e à sua consciência como consta no cânon 916. Porém o ser-se indigno por se achar em estado de pecado põe também um grave problema jurídico na Igreja: precisamente ao termo «indigno» refere-se o cânon do Código dos Cânones das Igrejas Orientais que é paralelo ao cân. 915 latino: «Devem ser impedidos de receber a Divina Eucaristia aqueles que são publicamente indignos» (cân. 712). Com efeito, receber o Corpo de Cristo sendo publicamente indigno é um comportamento que atenta contra os direitos da Igreja e de todos os fiéis de viver em coerência com as exigências dessa comunhão. Deve-se evitar o escândalo, concebido como acção que move os outros ao mal. Tal escândalo subsiste mesmo se, lamentavelmente, um tal comportamento já não despertar admiração alguma: pelo contrário, é precisamente diante da deformação das consciências, que se torna mais necessária por parte dos Pastores, uma acção tão paciente quanto firme, que tutele a santidade dos sacramentos, em defesa da moralidade cristã e da recta formação dos fiéis.

2. Qualquer interpretação do cân. 915 que se oponha ao conteúdo substancial, declarado ininterruptamente pelo Magistério e pela disciplina da Igreja ao longo dos séculos, é claramente fonte de desvios. A fórmula: «e outros que obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto» é clara e deve ser compreendida de modo a não deformar o seu sentido, tornando a norma inaplicável. As três condições requeridas são:

a) o pecado grave, entendido objectivamente, porque da imputabilidade subjectiva o ministro da Comunhão não poderia julgar; b) a perseverança obstinada, que significa a existência de uma situação objectiva de pecado que perdura no tempo e à qual a vontade do fiel não põe termo, não sendo necessários outros requisitos (atitude de desacato, admonição prévia, etc.) para que se verifique a situação na sua fundamental gravidade eclesial; c) o carácter manifesto da situação de pecado grave habitual.

3. A prudência pastoral aconselha vivamente a evitar que se chegue a casos de recusa pública da sagrada Comunhão. Os Pastores devem esforçar-se por explicar aos fiéis envolvidos o verdadeiro sentido eclesial da norma, de modo que a possam compreender ou ao menos respeitar. Quando, porém, se apresentarem situações em que tais precauções não tenham obtido efeito ou não tenham sido possíveis, o ministro da distribuição da Comunhão deve recusar-se a dá-la a quem seja publicamente indigno, com firmeza, consciente do valor que estes sinais de fortaleza têm para o bem da Igreja e das almas.

4. Nenhuma autoridade eclesiástica pode dispensar em caso algum desta obrigação do ministro da sagrada Comunhão, nem emanar directrizes que a contradigam.

5. O dever de reafirmar esta impossibilidade de admitir à Eucaristia é condição de verdadeira pastoral, de autêntica preocupação pelo bem dos fiéis e de toda a Igreja.

Ano 2000 - Síntese de texto completo em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/intrptxt/documents/rc_pc_intrptxt_doc_20000706_declaration_po.html