Lisboa, 13 de Dezembro de 2010
Caro Dr. Henrique Mota
Muito obrigado pela missiva que me enviou procurando esclarecer ou responder ao meu breve texto[1] sobre a tradução do livro “Luz do Mundo”. Como pediu, reencaminhei-a para todas as pessoas a quem tinha enviado o meu conciso artigo.
Esta manhã tive oportunidade de responder à missiva pessoal que me enviou, mas só agora me é possível retorquir ao seu texto público ou carta aberta – para além do pedido de divulgação reparei que constavam vários endereços de correio-e em Cc.
Escreve em primeiro lugar, com a data de hoje, o seguinte:
“Tomei recentemente conhecimento deste seu mail que circula na internet e que, infelizmente, entendeu não me enviar. Sendo eu o editor e o responsável pela publicação do livro «Luz do Mundo», ninguém mais que eu precisava de conhecer as suas observações; e só o contacto comigo permitiria uma solução efectiva e definitiva do problema, se fosse esse o seu propósito. Não julgando intenções, transmito-lhe o meu desapontamento e o meu desagrado por não me ter alertado directa e atempadamente, evitando-se o prolongamento da situação e a impressão e distribuição parcial de uma nova edição da obra.”[2]
Ora convém saber que escrevi o texto no dia seguinte a lê-lo, a saber, no dia 4 deste mês. Acresce que há gente da sua editora que recebe as minhas mensagens, pelo que seria estranho admitir a possibilidade de não o terem alertado imediatamente. Por isso não entendo porque é que me atribui as culpas de não permitir “uma solução efectiva e definitiva do problema, se fosse esse o seu (meu) propósito”. Este último inciso induzirá o leitor a pensar que o meu propósito não era recto. Depois de me ter feito um processo de intenção – não era “esse o seu propósito” afirma contraditoriamente que não julga as intenções (“não julgando as intenções”) e de novo repisa a acusação de não o ter alertado atempadamente fazendo desta minha falta o bode expiatório da “impressão e distribuição parcial de uma nova edição da obra”.
Qual foi, pois, o meu propósito fundamental ao escrever o texto intitulado “Pobre Papa”? A minha finalidade primeira foi a de esclarecer todos aqueles que já pudessem ter lido o texto ou viessem a lê-lo, na forma em que se encontrava.[3] De que outro modo poderia fazê-lo? Confesso que não sei, mas ficaria agradecido a quem me indicasse outro qualquer meio de fazê-lo. Terá o senhor doutor alguma ideia? Provavelmente já terá um plano para chegar a todos aqueles que já leram o livro que publicou. Pena tenho eu que não o refira na sua amável missiva.
Como não sou revisor da Lucerna nem da Principia não me parece que me assista uma particular obrigação de avisar atempadamente, tanto mais que não tenho acesso aos textos com a devida antecedência (ver correcção posterior), o senhor editor daquilo que me parece errado. Pareceu-me, no entanto, que seria bom sugerir a retirada dos exemplares para que não houvesse mais gente induzida em erro.
Mais adiante escreve o seguinte:
"Em especial e sobre os seus comentários à tradução, evitando apreciar o tom e a forma como foram feitos, esclareço o seguinte:
Alíneas a) e b): estudámos com cuidado os seus comentários e concluímos que não são pertinentes, quer porque a palavra justificar (tal e qual como o verbo begründen) significa também “dar razões ou motivos para” quer porque a versão portuguesa nunca faz o Santo Padre desdizer-se (aliás, entendo que na nossa tradução fica bem clara a posição do Papa e da Igreja, respeitando o texto original e o que Bento XVI quis efectivamente dizer)."
Em primeiro lugar sinto muito que não faça uma apreciação sobre o tom e a forma, porque invocá-los para dizer que não os aprecia pode dar a impressão de ser uma insinuação de que não correctos. Ora se assim é, como parece, seria de toda a conveniência indicar em que é que faltaram a essa correcção.
Passa em seguida à análise da impertinência dos meus comentários em relação às alíneas a) e b). Sobre isso oferece-se-me dizer o seguinte:
a) É certo que a palavra “justificar” em ambas as línguas tem esse duplo significado que lhes atribui. No entanto, como o contexto é moral, naturalmente é-se impelido a dar-lhe essa conotação (moralmente justo). Tudo indica aliás que terá sido essa a razão que terá levado o entrevistador a formular a pergunta: “Quer isso dizer que, em princípio, a Igreja Católica não é contra a utilização dos preservativos?” Ora a resposta do Santo Padre mostra que não estava a usar essa expressão no sentido moral pelo que, sabendo nós isto, não a deveríamos traduzir por “justificados”. A fortíssima conotação bíblica e moral que tem esta expressão, mesmo no linguajar comum, tenderá a induzir em confusão a generalidade das pessoas que não estão habituadas a estas subtilezas da filosofia e teologia moral.
b) Confesso que tenho a maior das dificuldades em entender como é que não se percebe o absurdo desta afirmação do Papa, na tradução da Lucerna:
“Num ou noutro caso, embora seja usado (= apesar de ser usado; não obstante ser usado) para diminuir o risco de contágio, o preservativo pode ser um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana.”
É que nem sequer é preciso saber alemão para compreender que a frase não faz sentido! Ou então sou eu que de tão mentecapto estou ceguinho de todo - o que confesso, execrável como sou, é uma hipótese com grande plausibilidade. Mas a verdade é que me parece que o que está ali escrito é o seguinte: “O preservativo, num ou noutro caso, apesar de ser utilizado para diminuir o risco de contágio, pode ser um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana”. Não! Não é apesar de diminuir o risco de contágio, mas sim porque o propósito, isto é, o objecto da vontade é o de diminuir o risco de contágio que a sua utilização poderá ser um passo, etc.
Sem outro assunto, aceite os meus melhores e mais cordiais cumprimentos
P. Nuno Serras Pereira, ofm
[1] Pobre Papa…
Nuno Serras Pereira
04. 12. 2010
A incompetência ou negligência com que têm sido traduzidas as declarações do Santo Padre no último livro-entrevista, Luz do Mundo, fazem-no dizer coisas inacreditáveis, absurdas e incompreensíveis. A edição portuguesa, infelizmente, não escapa ao mesmo descuido.
Três breves exemplos, talvez os mais gritantes, mostram o desmazelo:
a) Na página 119, no último parágrafo, em vez do termo base ou fundamento encontramos a palavra justificados, o que induz a pensar que o Santo Padre considera moralmente justificado (moralmente justo) o uso do preservativo. Ora o Papa um pouco mais adiante afirma claramente: “É evidente que ela (a Igreja) não a considera (a utilização de preservativos) uma solução verdadeira e moral”.
b) Na página 120, logo a seguir à frase anteriormente citada, a tradução portuguesa faz o Papa dizer exactamente o contrário do que ele disse. A nossa tradução escreve: “Num ou noutro caso, embora seja usado (= apesar de ser usado) para diminuir o risco de contágio, o preservativo pode ser um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana.” Ora a tradução correcta seria: “Mas num ou noutro caso poderá, não obstante (apesar disso), ser, na intenção de reduzir o risco de infecção, um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana”. Ou seja, a intencionalidade de reduzir o risco da infecção pode constituir um primeiro passo para humanizar a sexualidade.
c) Nas páginas 148-149 a tradução portuguesa traslada como comentário do Santo Padre à afirmação do entrevistador - que “… sem dúvida que existe homossexualidade nos mosteiros entre os clérigos, mesmo que possa não ser vivida, e seja uma homossexualidade não praticada.”-, esta afirmação absolutamente extraordinária: “Isso também faz parte das necessidades da Igreja” quando o que o Papa diz é o seguinte: “Isso é uma das misérias da Igreja”.
Estes breves exemplos pediriam enquanto a mim que fossem recolhidos os exemplares das livrarias e que se fizesse uma outra edição cuidada.
[2] Eis o texto completo do Dr. Henrique Mota:
Caro P. Nuno Serras Pereira
Tomei recentemente conhecimento deste seu mail que circula na internet e que, infelizmente, entendeu não me enviar. Sendo eu o editor e o responsável pela publicação do livro «Luz do Mundo», ninguém mais que eu precisava de conhecer as suas observações; e só o contacto comigo permitiria uma solução efectiva e definitiva do problema, se fosse esse o seu propósito. Não julgando intenções, transmito-lhe o meu desapontamento e o meu desagrado por não me ter alertado directa e atempadamente, evitando-se o prolongamento da situação e a impressão e distribuição parcial de uma nova edição da obra.
Em especial e sobre os seus comentários à tradução, evitando apreciar o tom e a forma como foram feitos, esclareço o seguinte:
Alíneas a) e b): estudámos com cuidado os seus comentários e concluímos que não são pertinentes, quer porque a palavra justificar (tal e qual como o verbo begründen) significa também “dar razões ou motivos para” quer porque a versão portuguesa nunca faz o Santo Padre desdizer-se (aliás, entendo que na nossa tradução fica bem clara a posição do Papa e da Igreja, respeitando o texto original e o que Bento XVI quis efectivamente dizer).
Alínea c): tem razão e, por isso, procederemos à inclusão de uma errata nos exemplares onde isso ainda seja possível e trataremos de alterar uma próxima eventual terceira edição. Em particular e sobre este caso, quero ainda acrescentar o seguinte (sem qualquer intenção desculpativa): a palavra alemã "Not" significa necessidade ou carência, bem como dor ou miséria, e o que aconteceu foi que a tradutora deste capítulo, num contexto de muita pressão e urgência marcado pelo calendário muito apertado deste trabalho, verteu espontaneamente para a acepção mais comum, a primeira, sem avaliar o contexto em causa, que pedia a segunda.
Por último, tenho gosto em que saiba que informei quem devia deste nosso erro e que o procedimento de resolução que lhe comuniquei anteriormente foi acertado com quem deveria sê-lo.
No futuro, peço-lhe que não hesite em falar-me sempre que entender que um qualquer livro nosso tem erros que comprometem a verdade. Em geral, estou aberto a todos os comentários e ajudas que possam melhorar os nossos livros, evitar erros e contribuir para a verdade; e em particular, tenho todo o interesse em apreciar os seus pontos de vista e em reconhecer as suas razões.
.
Peço-lhe, naturalmente, que envie deste meu esclarecimento às mesmas pessoas que receberam o seu escrito inicial, por apreço à verdade, por consideração ao bom nome da Lucerna (uma chancela da Princípia Editora), por deferência para com a equipa de tradução e revisão e, necessariamente, por respeito por todos aqueles que confiam nos seus textos (e que, por isso, os replicam). Por mim, não seria necessário (nem mesmo para defender a minha honra pessoal e o meu brio profissional).
Cumprimentos do
Henrique Mota
[3] A decisão de escrever o texto foi mesmo motivada por conversas que tive com quem leu o livro e não se deu conta das “armadilhas” da tradução.