segunda-feira, 30 de maio de 2011

Aborto a pedido, não!

por Luís Brito Correia


1. Nós, portuguesas e portugueses, somos chamados a responder, no referendo de 11 de Fevereiro de 2007, a esta pergunta: “Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras 10 semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?” ([1]).

É importante que todos votemos não!

A lei vigente e a pergunta

2. A lei vigente ([2]) – resultante de alterações introduzidas em 1984 e 1997 – prevê o crime de aborto como punível com prisão ([3]), mas já despenaliza (declara não punível):

a) O aborto terapêutico (para remover ou evitar perigo de morte ou de grave lesão para a saúde física ou psíquica da mulher – sem prazo, se for o único meio de remover esses perigo);

b) O aborto eugénico (nos casos de inviabilidade do feto, a todo o tempo, e nos casos incuráveis de doença grave ou malformação congénita do nascituro, nas primeiras 24 semanas de gravidez);

c) O aborto no caso de violação, nas primeiras 16 semanas ([4]).

3. O diploma aprovado, na generalidade ([5]), pela Assembleia da República, que está na base deste referendo (como em 1998), visa permitir o aborto:

a) A pedido da mulher, nas primeiras 10 semanas de gravidez, para preservação da sua integridade moral, dignidade social ou maternidade consciente;

b) Caso se mostre indicado para evitar perigo de morte ou grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida, designadamente por razões de natureza económica ou social, e for realizado nas primeiras 16 semanas de gravidez.

4. Com esta redacção, o aborto poderá, na prática, ser realizado sempre que a mulher queira, porque é fácil inventar uma razão de natureza económica ou social. Isto equivale a uma liberalização ([6]) do aborto nas primeiras 10 ou 16 semanas.

Assim, a pergunta escolhida para o referendo é ainda mais liberalizadora do que a do citado diploma, do ponto de vista dos motivos justificativos do aborto, abrindo caminho a uma liberalização num prazo mais dilatado.

A pergunta do referendo visa despenalizar – o que equivale a legalizar, a autorizar – o aborto a pedido da mãe, nas primeiras 10 semanas de gravidez, seja qual for o motivo invocado – mesmo que por mera conveniência ou comodidade da mãe.

Não à interrupção voluntária da vida

5. O que está em causa não é só a gravidez da mulher, mas também a vida do bebé: é a protecção jurídica da vida humana e o direito à vida, que é, obviamente, o primeiro e principal direito humano ([7]), porque dele dependem todos os outros. Merece a protecção máxima.

6. Esta questão é uma das mais marcantes da filosofia político-social de um País e, por isso, não pode deixar ninguém indiferente. Não é só uma questão do foro íntimo das mulheres. Não é só uma questão religiosa. Não é uma questão secundária, no debate político.

Por isso, a Constituição portuguesa afirma que “a vida humana é inviolável” (no art. 24.º ([8])).

E a Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, proclama que “todo o indivíduo tem direito à vida” (art. 3.º)([9]).

Obviamente, a vida humana deve ser protegida desde que existe vida humana.

Consequentemente, a lei ordinária deve proteger a vida humana e condenar todos os actos que a ponham em causa, desde que começa até à morte natural.

7. A esmagadora maioria dos cientistas e, sobretudo, dos especialistas em fetologia está, hoje, de acordo em que a vida humana é um processo contínuo de desenvolvimento, que começa com a fecundação do óvulo pelo espermatozóide e termina com a morte ([10]).

A partir da concepção, surge um novo ser humano, distinto quer da mãe quer do pai. Tanto que tem um genoma diferente do de ambos e que é o mesmo em todas as células do corpo, desde a primeira divisão da célula resultante da fusão do óvulo com o espermatozóide até à morte. A autonomia do embrião é bem clara nos casos de “bebé proveta” e da “barriga de aluguer”.

Os médicos sabem, hoje, que o feto seria rejeitado pela mãe, como um corpo estranho, se não enviasse para a mãe uma proteína, como quem diz: “não me rejeites porque eu ainda preciso de ti”.

O processo de desenvolvimento do ser humano é contínuo e um só, desde a fecundação até à morte, não havendo qualquer diferença essencial de natureza em nenhum momento desse processo. O coração bate a partir dos 20 dias de gestação e, a partir da 9.ª semana, está completo. Com 10 semanas, o bebé chucha no dedo e dá sinais de sofrimento ([11]). Isso pode ser facilmente comprovado por ecografia, embrioscopia e fetoscopia. E é bem claro num recente e interessantíssimo video da National Geographic Society.

Com sete meses de gravidez, a criança já pode sobreviver fora da mãe, de modo que o nascimento aos nove meses não representa senão uma nova fase da mesma vida, como a adolescência ou a velhice.

8. Há quem diga que o embrião é um “monte de células”. É verdade que todos nós pertencemos ao género “monte de células”, mas células vivas (que se desenvolvem rapidamente) e da espécie humana: o embrião não é um peixe, nem um rato, nem uma amiba! A vida gerada por um homem e uma mulher só pode ser uma vida humana. Por isso, merece protecção.

Há quem tenha dúvidas sobre o momento em que começa a vida ou em que a vida é humana.

Há quem diga que a vida só é humana, a partir do momento em que o cérebro está formado. Mas não há razão nenhuma de fundo para introduzir esse limite, porque o cérebro é tão importante como o coração ou os pulmões e todos os órgãos existem em potência no ADN, desde a fecundação: a partir desta, apenas se desenvolvem gradualmente, sem saltos qualitativos relevantes. A partir das oito semanas as principais estruturas do sistema nervoso central estão formadas e o feto dá sinais de sofrimento.

E, na dúvida, o bébé deve ser protegido, não destruído.

9. Consequentemente, uma lei que admita o direito ao aborto deve considerar-se inconstitucional, por violar o art. 24.º ([12]).

Não ao aumento do sofrimento da mulher

10. A experiência de vários países (como os EUA e a Polónia) onde o aborto voluntário foi liberalizado mostra que ele causa frequentemente sofrimentos à mulher: sentimentos de culpa, depressões, disfunção sexual, esterilidade, tendência para aborto espontâneo, etc., que levam, muitas vezes, à promiscuidade, ao divórcio, ao alcoolismo, à droga, à prostituição, ao crime e ao suicídio. E provoca frequentemente cancro da mama.

Os advogados americanos de Norma McCorvey, que estão a tentar a revogação da sentença do caso Roe vs. Wade, juntaram 2000 declarações ajuramentadas de mulheres que passaram por tais situações. Isso não acontece sempre e, por vezes, verifica-se vários anos mais tarde; mas, quando um remédio provoca efeitos negativos tão graves e tão frequentes, é habitual ser proibido. Porque não o aborto a pedido?

Segundo uma sondagem feita nos EUA, sessenta por cento das mulheres presas por delitos comuns disseram que a sua vida criminal começou por um aborto.

Na Finlândia, a taxa de suicídios é três vezes maior entre as mulheres que abortaram.

11. Quando as mulheres procuram clínicas de aborto, não as informam desses riscos e procuram esconder a realidade do aborto. E nem sempre as clínicas têm as condições de higiene que se supõe que deviam ter.

12. Com a penalização do aborto, não se pretende agravar os problemas das mulheres. Pelo contrário, deseja-se evitar-lhes problemas futuros de que elas não têm consciência. O aborto legal não é seguro: envolve riscos sérios para a vida e a saúde física e psíquica da mulher. Se o aborto voluntário for proibido, muitas mulheres não chegarão a cometê-lo. Se for permitido, muitas fá-lo-ão, convencidas de que não faz mal nenhum – o que não é verdade.

13. É importante afirmar o princípio da proibição, mesmo que se admitam, em casos concretos, situações de verdadeiro estado de necessidade desculpante (já previsto no Código Penal, art. 35.º). Uma coisa é considerar crime um certo tipo de acto objectiva e geralmente ilícito; outra muito diferente é condenar ou absolver uma pessoa, em concreto, atendendo ao conjunto de situações desculpantes ou circunstâncias atenuantes em que cometeu o acto.

A qualificação do aborto, em geral, como crime é importante para desincentivar tal prática. Porque a lei tem um efeito pedagógico. E a prática do aborto é profundamente contrária ao respeito pela vida humana; mesmo que, na realidade, tal pena seja poucas vezes aplicada, como tem acontecido em Portugal.

Isso não é hipocrisia, mas, frequentemente, o resultado da verificação de causas de justificação ou de exclusão da culpabilidade (como a coacção, o estado de necessidade, a inconsciência da ilicitude, etc.). Mas essa é a regra geral aplicável a todos os crimes: quando dois homens, que não sabem nadar, estão, no mar alto, num barco onde só cabe um, não é punido aquele que matar o outro para salvar, ao menos, uma das vidas. Estima-se que cerca de 64% dos abortos são feitos sob coacção psicológica, sobretudo da parte do pai da criança; isso é causa de exclusão da culpa, que impede a punibilidade. Noutros casos, a não punição é uma manifestação de justiça, de tolerância ou de perdão.

14. Ninguém quer pôr mulheres na prisão: o que queremos é que não haja abortos voluntários – nem legais nem clandestinos. Se não houver abortos, não haverá processos judiciais nem mulheres na prisão.

Liberalizar o aborto tem como consequência introduzir um princípio na vida social que induz a incentivá-lo, cada vez mais. Porquê 10 semanas ([13]) e não 12 ou 36 semanas (nove meses)? Ou nos primeiros três meses após o parto (hoje, “infanticídio”)? São fases seguidas do mesmo processo de desenvolvimento! E, se a lei for alterada, haverá mais mulheres a fazer aborto atrás de aborto. Infelizmente, essa é a realidade verificada em todos os países onde o aborto foi despenalizado.

Dizer que se quer despenalizar a IVG para não ter mulheres no tribunal ou na prisão, dando a sensação de que se tem pena das mulheres (para captar os seus votos?), é pura demagogia: se a mulher abortar após as 10 ou 15 ou 36 semanas não será levada a tribunal? E não será punida? A mulher que fizer um aborto clandestino não será punida? Deveremos ceder, só para evitar a manifestações na TV? Então, passaremos a ceder perante tudo o que for exigido na TV?

Na realidade, há muitos anos que não há notícia de mulheres presas por aborto do seu filho. Se há, como alguns dizem, são muito poucas (8?). Isso é menos mau do que admitir que se matem milhares de crianças.

É menos mau mandar para a prisão algumas mulheres por aborto ilegal, do que muitas mulheres por crimes cometidos na sequência de abortos legais.

15. Argumenta-se que o julgamento da mulher que abortou leva à violação da privacidade desta. Na verdade, a investigação e prova do crime exige, normalmente, exames ginecológicos. Em todo o caso, tais exames são semelhantes aos que todas as mulheres fazem regularmente, por motivos de higiene. E a necessidade de protecção do novo ser humano justifica tal intervenção na privacidade da mulher, que esta, aliás, pode evitar, omitindo o aborto.

Não ao direito da mulher ao aborto!

16. Defender a despenalização em nome da liberdade de escolha da mulher equivale a esquecer que a liberdade de cada um termina onde começa a liberdade dos outros; e o outro, neste caso, é um ser humano inocente e indefeso, que nunca terá liberdade, se nem chegar a nascer.

17. Reconhecer à mulher o direito ao aborto a pedido equivale a sobrepor o interesse da mulher ao direito à vida da criança.

Quando há um conflito de direitos, a regra é que deve prevalecer o que deva considerar-se superior ([14]). Por isso, a maior ou menor riqueza, a dignidade social, a consciência da maternidade ou a saúde psíquica da mãe, por respeitáveis que sejam, não devem prevalecer sobre a vida do nascituro, que é um ser humano com dignidade igual à da mãe.

Se despenalizar o aborto a pedido, a lei suprimirá o próprio conflito de direitos entre a mãe e o filho, favorecendo apenas a mãe, em detrimento sistemático da criança, ser humano inocente e indefeso!

18. É errado afirmar um direito absoluto da mulher a dispor do seu próprio corpo, porque nenhuma mulher deu vida a si própria, de modo a poder tirá-la. Pode a mulher dispor de partes destacáveis do corpo, como o cabelo, as unhas ou certos órgãos; mas a criança não é parte do corpo da mãe. Tratá-la como simples parte da mãe é considerá-la como uma coisa, como os antigos tratavam os escravos!

Por outro lado, fora da hipótese de clonagem, geralmente condenada, nenhuma mulher consegue gerar um filho sozinha, sem o esperma de um homem. O filho nunca é só dela. Ela não pode, por isso, decidir sozinha sobre a vida do filho. Na falta de acordo dos pais, deve prevalecer sempre a vida da criança. E a própria formulação da hipótese de um acordo dos pais sobre a vida da criança mostra que esta é distinta dos pais e, portanto, merece protecção.

19. O feto depende da mãe, antes do parto, como também a criança nos primeiros tempos depois do parto. Como todos os homens dependem de outros, sempre que sofrem de doenças graves.

Com as novas tecnologias da fecundação assistida, etc., é possível assegurar a sobrevivência de embriões e fetos fora da mãe biológica.

Vivendo, normalmente, dentro da mãe e alimentando-se dela, não pode o embrião considerar-se, todavia, como simples parte do corpo da mãe, precisamente porque resulta também da intervenção do pai e tem características distintas de ambos. Pode parecer chocante, à primeira vista, mas, se bem pensarmos, para a criança depois da fecundação, o corpo da mãe é como uma incubadora – uma excelente incubadora, a melhor incubadora.

20. Pretende-se reconhecer um direito ao aborto, ou seja, a que um serviço público preste e ou pague o serviço de matar um ser humano indefeso! Quando não há camas para todos os doentes! Quando não há verba para tratar todos os doentes! Quando seria bom que a população crescesse! E quando há outros meios eficazes e acessíveis de planeamento familiar!

21. Reconhecer o direito ao aborto a pedido da mulher conduz à completa irresponsabilização do homem, pelas crianças que gera. Isso é tanto mais grave quanto o pai da criança é, muitas vezes, quem mais pressiona a mulher para abortar. Outras vezes, o pai quer ter a criança, mas a mãe decide abortar sem sequer o ouvir.

Não a uma lei contrária à natureza!

22. A proibição do aborto é, assim, uma exigência que corresponde à natureza das coisas: é de direito natural, que o próprio legislador deve respeitar, quando faz leis ([15]).

23. A questão da ilicitude do aborto não é, apenas, uma questão religiosa.

A proibição do aborto é muito anterior a Cristo. Consta do célebre juramento de Hipócrates, prestado pela generalidade dos médicos, desde o séc. IV a. C. até hoje ([16]).

Consta do Antigo e do Novo Testamento ([17]). É doutrina da Igreja, desde os primeiros séculos da nossa era e dos primeiros concílios, de 300 e 314, recentemente reafirmada no Código de Direito Canónico de 1983 ([18]), na Encíclica “Evangelium vitae”, de 1995, e em múltiplas declarações dos Papas e bispos e, recentemente, da Conferência Episcopal portuguesa.

É também a posição de diversas outras religiões ([19]).

Mas o direito à vida não é uma questão meramente religiosa. A defesa da vida é uma questão ética e política, que se impõe, qualquer que seja a religião da pessoa.

24. Por outro lado, a Igreja Católica tem sido muito atacada neste contexto, mas não tem que receber lições de solidariedade: há, actualmente, cerca de 2000 instituições vocacionadas para a protecção de mulheres grávidas e crianças indesejadas, criadas pela Igreja (padres ou leigos). E não são de hoje: basta pensar nas Misericórdias, criadas pela Rainha D. Leonor, no séc. XV, que tinham as célebres “rodas de enjeitados”.

Não a uma lei retrógrada!

25. Não é pelo facto de a proibição do aborto ser afirmada há muitos séculos, que a liberalização do aborto pode considerar-se uma ideia moderna.

Houve também quem a defendesse na antiguidade.

A verdade é, todavia, que, até ao séc. XIX, o aborto era muito perigoso, envolvendo quase sempre a morte da mãe. Por volta de 1750, encontrou-se uma técnica de aborto menos perigosa, de modo que, após a Revolução Francesa, o aborto foi legalizado em muitos países.

Entretanto, em 1843, Martin Berry descobriu o processo de reprodução tal como é hoje conhecido. E, em 1857 e 1870, a American Medical Association elaborou dois relatórios concluindo, sem margem para dúvidas, que o aborto era inaceitável. Daí surgiram campanhas para proibir o aborto, que levaram à aprovação de leis nesse sentido na maioria dos Estados ([20]).

26. No séc. XX, o primeiro país a liberalizar o aborto foi a União Soviética, em 1920. Hitler liberalizou-o nos territórios ocupados pela Alemanha, ao mesmo tempo que recomendava aos “arianos” que tivessem muitos filhos. Foi, todavia, em meados do século que se intensificou o movimento de liberalização ([21]). Foi defendida, nos Estados Unidos, desde os anos sessenta, e é uma das teses do Maio de 68. Posteriormente, vários Estados do mundo liberalizaram mais ou menos o aborto.

27. A partir dos anos 90, está em retrocesso e ultrapassada ([22]). Alguns dos mais entusiastas defensores da liberalização do aborto defendem, hoje, a sua proibição. É o caso do Dr. Bernard Nathanson ([23]) e de Norma McCorvey, queixosa no célebre caso Roe versus Wade, que serviu de precedente à liberalização na América. A tendência contrária à liberalização do aborto é cada vez mais forte no mundo. Nos E.U.A., após 1994, aumentou significativamente o número de Estados que aprovaram legislação restritiva ([24]).

Não a uma lei que agrava os problemas do aborto clandestino

28. O aborto clandestino, tantas vezes feito sem cuidados mínimos de higiene, causa problemas de saúde pública preocupantes: hemorragias, infecções, risco de morte, etc.; em todo o caso, não é tão frequente quanto os pró-escolha tentam fazer crer.

29. A despenalização do aborto “legal” (não do clandestino!) não resolve, todavia, antes agrava esses problemas! É errado pensar que a despenalização do aborto a pedido reduz o número de abortos clandestinos. O que se verifica, nos países em que houve liberalização, é precisamente o contrário: não só o número de abortos legais cresceu exponencialmente, como o número de abortos clandestinos aumentou assustadoramente.

Por exemplo, nos E.U.A., o número de abortos legais foi de 18.000 em 1968, e de 193.500 em 1970, passando para 1.034.200 em 1975 (depois da liberalização) e atingindo cerca de 1.500.000 desde 1979 até hoje (cerca de 28 abortos por 1000 mulheres de 15 a 44 anos)! 82% destes abortos são feitos por mulheres entre os 15 e 29 anos; 80% por mulheres não casadas. 77% dos abortos são feitos nas primeiras 10 semanas. Os casos “dramáticos” invocados mais frequentemente para justificar a liberalização (perigo de morte da mãe, malformações do feto, menoridade inferior a 15 anos da mãe, violação, etc.) são muito raros (menos de 3%), sendo a esmagadora maioria “justificados” por motivos “não médicos” (mais de 97%) ([25]).

Em Espanha ([26]), em 1994, foram feitos 47.832 abortos (5,38 %o mulheres), em 101 centros; e em 2004, foram 84.985 abortos (8,94%o), em 133 centros, sendo 96,44% dos abortos feitos em centros privados.

Na Índia, onde o aborto é legal há mais de 25 anos, foram feitos, em 1995, 900.000 abortos legais e 9.000.000 abortos clandestinos ([27])([28]).

30. Isso é lógico, porque, se a lei diz às mulheres que abortar a pedido é legal, elas convencem-se de que é seguro e não faz mal.

31. Em Portugal, em 2005, os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) realizaram 906 IVG e trataram 73 complicações decorrentes de abortos ilegais. Os números (ainda provisórios) da Direcção-Geral da Saúde (DGS) revelam um aumento de 72 interrupções voluntárias da gravidez, em relação a 2004, e de 185, em comparação com 2003 ([29])([30]).

Se o aborto for despenalizado até às dez semanas, é previsível que os hospitais passem a receber muitos mais pedidos de mulheres que queiram interromper a gravidez. Nesse cenário, os maiores hospitais públicos não têm condições humanas e técnicas para responder a um número mais elevado de IVG ([31]), havendo que recorrer a clínicas privadas. Prevê-se que cada aborto custe cerca de 350 a 700 Euros – segundo disse o Ministro da Saúde, há dias.

Entretanto, foram vendidas, em 2005, em Portugal, cerca de 230 mil embalagens de pílulas do dia seguinte.

32. Para diminuir o número de abortos, clandestinos ou não, é necessário, sobretudo, mais informação e apoio às mulheres grávidas em dificuldade, antes e depois do parto – como o que tem vindo a ser prestado pelo Ponto de Apoio à Vida, pela Ajuda de Mãe, pela Ajuda de Berço e por tantas outras instituições de Norte a Sul do País. Cerca de 50 dessas instituições foram criadas depois do referendo de 1998 pelos movimentos de defesa da vida. Por elas passaram cerca de 100.000 mulheres, tendo sido evitados muitos abortos.

Muitas dessas instituições vivem de donativos de particulares, mas também de subsídios do Estado e das autarquias locais – que não darão todo o apoio necessário (será possível nalgum campo?), mas dão muito a quem as procura. São pouco conhecidas? Talvez; há quem não queira que a mão direita saiba o que dá a esquerda; e também há quem procure branquear o que se faz de bom à sua volta: só é notícia “o homem a morder no cão”…

Não ao aborto por motivos económico-sociais

33. Defende-se, muitas vezes, a “interrupção voluntária da gravidez” invocando a má situação económico-social da mulher; mas os problemas económico-sociais devem ter soluções económico-sociais: se a mulher não tem rendimentos suficientes para sustentar o filho, o Estado, em vez de pagar as despesas do aborto, pondo em causa a vida da criança, deve dar-lhe ajuda ou promover a adopção.

34. A vida humana tem um valor superior a todos os outros valores económico-sociais.

É contraditório fechar maternidades e, simultaneamente, prever verbas elevadas para pagar abortos.

35. Por vezes, aceita-se o aborto em nome da qualidade de vida da mãe. Mas porque se pensa só na qualidade de vida da mãe e não na da criança? E o que é a qualidade de vida? Que qualidade tem uma vida egoísta e sem amor? Que qualidade de vida tem uma mãe que sabe que matou um filhinho inocente? Os homens esquecem facilmente os problemas da depressão da mulher posterior ao aborto. Muitas vezes, o aborto voluntário é, apenas, uma manifestação de egoísmo.

Além disso, é falso que o aborto melhore a qualidade de vida da mulher. O aborto (legal ou clandestino) apresenta elevados inconvenientes e riscos para a sua vida futura: tendência para o suicídio, pesadelos, má vida sexual, etc.

36. O problema social das mulheres que não desejam criar os filhos, deve ser resolvido, não com uma pseudo-solução “médica”, mas sim com uma solução social. É necessário encaminhá-las para centros de apoio e acolhimento dos filhos que elas queiram rejeitar, para uma das muitas instituições para isso vocacionadas.

37. É preocupante a frequência de “mães adolescentes”. A solução não está, todavia, em permitir que as adolescentes grávidas façam abortos, que as deixam traumatizadas para o resto da vida; mas sim em educá-las para que não tenham relações sexuais antes da idade própria e fora do casamento. Isso contribuiria, aliás, para reduzir os casos de SIDA – como mostra a experiência do Uganda (único país do mundo em que a epidemia tem vindo a diminuir significativamente), que merecia ser mais conhecida.

38. Por vezes, diz-se que é uma discriminação inadmissível que as mulheres ricas possam abortar no estrangeiro (ou em clínicas privadas) e as mulheres pobres sejam punidas, só porque não têm dinheiro para ir ao estrangeiro (ou a clínicas privadas). Mas é um argumento demagógico. Primeiro, porque, de facto, as mulheres que abortam raras vezes são punidas em Portugal: que eu saiba, nenhuma está presa ou foi presa nos últimos anos por interromper voluntariamente a sua própria gravidez. E, se as mulheres vão a Espanha abortar, também poderiam fazê-lo em Portugal, porque a lei espanhola é igual à portuguesa. Segundo, porque este género de desigualdades continuará a existir ([32]), a menos que o Estado subsidie todos os abortos em clínicas de luxo – o que é incomportável e eticamente inaceitável. Terceiro, porque o facto de haver mulheres ricas que cometem erros em clínicas privadas não justifica que criemos condições para que os mesmos erros sejam cometidos pelas pobres em clínicas públicas, à custa dos contribuintes. De resto, essa aparente injustiça verifica-se em muitíssimos outros casos, a que pouca gente dá importância.

39. A questão do aborto não é só uma questão da consciência de cada um, nem uma questão íntima da mulher, que apenas a ela diz respeito. O que está em causa é a vida de um ser humano, e um ser humano inocente e desprotegido. O Estado tem o dever de o proteger, através dos mecanismos ao seu alcance, nomeadamente, da lei penal.

40. A liberalização conduz à utilização do aborto como mais um método de controlo da natalidade, ao lado dos contraconceptivos, o que é inaceitável.

41. Alguns defendem o direito de escolha da mulher entre abortar ou não em nome de um direito à maternidade responsável, apresentando o aborto como meio de evitar uma criança indesejada.

Como é sabido, uma gravidez indesejada evita-se, não tendo relações sexuais ou adoptando um dos vários métodos conhecidos de planeamento familiar. Sabendo que todos estes métodos são falíveis, a mulher que tem relações sexuais num período fértil assume, necessariamente, o risco e a responsabilidade de ficar grávida. A escolha é dela (mesmo quando condicionada pelo companheiro – a hipótese de violação, bem ou mal, já está despenalizada). A partir do momento em que foi gerada uma criança, não pode haver escolha para a matar! ([33])

Não é admissível que uma mulher mate um filho por nascer, só porque preferia ter uma filha.

42. Não obrigamos ninguém a abortar clandestinamente. Não queremos é que crianças inocentes estejam sujeitas a morrer por decisão das próprias mães ou dos pais ou de terceiros.

43. Não é coerente proteger (muito justamente) os deficientes adultos e desproteger os deficientes nascituros. São todos seres humanos.

44. O desrespeito pela vida no seu início leva a semelhante desrespeito pela vida dos idosos e deficientes. A liberalização do aborto conduz, assim, à liberalização da eutanásia e à degradação da família.

Não é coerente ser contra a pena de morte, contra o infanticídio, contra a destruição de espécies animais e vegetais em vias de extinção e, simultaneamente, a favor da morte dos nascituros, eufemisticamente chamada interrupção voluntária da gravidez.

É preciso proteger a vida, desde o princípio e, sobretudo, a dos mais indefesos.

45. O que está em causa não é a tolerância para com as mulheres que fazem abortos: essa tolerância tem existido, como prova o escasso número de condenações pelos tribunais e a relativa frequência de condenações com pena suspensa. Não por hipocrisia, mas por misericórdia.

Mas uma coisa é a tolerância para com as pessoas concretas, outra bem diferente é a tolerância perante o desprezo pelo valor fundamental da vida da criança indefesa. Não queremos pôr ninguém na cadeia, queremos é que não haja abortos, nem legais nem clandestinos.

46. Acresce que, na pergunta do referendo a expressão "por opção da mulher" é errada, porque os estudos mostram que poucas mulheres abortam por livre opção própria, mas sim por pressão ou recurso. Isto é, se as mulheres tivessem escolha, poucas optariam livremente pelo aborto. É triste que se tire partido do "sim" pressionado de uma mulher grávida e sem apoio e, portanto, vulnerável, para a prejudicar e engordar os lucros das clínicas aborcionistas.

A gravidade desta despenalização é que levou a recorrer ao referendo.

47. É tão legítimo definir o regime legal do aborto por referendo como por lei da Assembleia da República.

É, todavia, delicado submeter o aborto a referendo, por se tratar de uma questão complexa, sobre a qual muitas pessoas não têm ainda informação suficiente. Daí a importância fundamental das acções de esclarecimento objectivo e sereno.

Por outro lado, depois de um referendo favorável ao “não”, ainda que com muitas abstenções, não é politicamente correcto introduzir por lei parlamentar alterações rejeitadas por um referendo recente. E isto vale também para recentes sugestões de suspensão dos julgamentos de mulheres.

48. Nem se diga que metade dos portugueses não pode impor a sua opinião à outra metade, porque isso é normal em democracia! Se o sim ganhar, imporá a sua opinião a quem votou não! E a quem não pode votar nem poderá jamais!

49. Não podemos deixar-nos levar pela propaganda pro-abortista, que falsifica estatísticas, ataca a Igreja (como se a questão fosse meramente religiosa), distorce afirmações de responsáveis (nem sempre desmentidas logo a seguir) e tenta fazer crer que a defesa da vida é uma ideia retrógrada, “medieval” ou “fundamentalista”.

50. A acusação de fundamentalismo e de outros epítetos igualmente agressivos não passa de argumento “ad hominem”, usado por quem já não tem outros argumentos. Pertence à panóplia tradicional de alguns autoproclamados “intelectuais” (de “esquerda”, por definição), que se consideram a si próprios como os detentores exclusivos da inteligência e da modernidade. Isso é que é uma manifestação de arrogância e de intolerância!

51. Depois dos horrores da Inquisição, do holocausto de 6 milhões de judeus pelo nazismo, dos 85 milhões de mortos pelo comunismo, estamos a assistir a 45 milhões de abortos por ano no mundo! Nos E.U.A, o aborto é a primeira causa de morte (1.540.000), muito acima das doenças cardiovasculares (661.400), do cancro (373.500) e da SIDA (19.886)([34]). Na Rússia, o aborto é a principal causa de infertilidade das mulheres e, num terço dos abortos, causa de morte da mãe ([35]).

Não queremos ser acusados pelos nossos netos de ter aberto caminho a um novo holocausto dos fetos!

Não ao negócio milionário das clínicas de abortos

52. O crescimento do número de abortos aproveita, sobretudo, às clínicas multinacionais, que são, actualmente, o principal “lobby” pro-liberalização do aborto. Basta pensar que, nos EUA, se fazem cerca de 1.500.000 abortos por ano, e cada um custa em média 300 a 400 dólares ([36]). Ou seja, a “indústria” dos abortos vale, hoje, cerca de 450 a 600 milhões de dólares!

53. Embora o próximo referendo (como o anterior) tenha em vista a “despenalização” do aborto, se o sim vencer, virá logo a seguir a regra do pagamento dos abortos pelo Serviço Nacional de Saúde ou e pela Segurança Social ([37]). Então, mesmo aqueles que são contra o aborto, terão de suportar os seus custos, através do aumento das contribuições.

54. É chocante que os hospitais públicos, criados para salvar vidas, sejam utilizados para matar.

Quando os hospitais públicos já não têm camas suficientes para atender todos doentes graves e urgentes e estão a fechar-se maternidades, é absurdo permitir e incentivar o aborto a pedido!

O que o Estado iria gastar com os abortos seria suficiente para ajudar todas as mulheres em dificuldade a criar os seus filhos. Porque a maior parte das mulheres que abortam não tem carências económicas.

55. Por outro lado, a liberalização do aborto vai obrigar o Estado a aumentar as despesas públicas, num momento em que é necessário reduzi-las!

56. Por outro lado, para não se tornar em mero fornecedor de abortos, o Estado será levado a fornecer alternativas a quem quiser abortar, por qualquer motivo: vai ter de fornecer casa e subsídios a mães solteiras, como acontece já em Inglaterra, a 70 mil crianças sem pai, por ano, por exemplo. A partir daí, muitas mulheres usarão esse pretexto para extorquir dinheiro ao Estado. Tanto que o Sr. Blair já teve de reduzir o subsídio às mães solteiras e começou a caça aos “pais biológicos”. É que, com este sistema, o homem adquiriu uma irresponsabilidade sexual absoluta! E o Estado está a transformar-se em chefe de família.

57. É paradoxal que se gastem cerca de 25.000 euros com a fecundação artificial de uma criança desejada e, simultaneamente, se paguem milhares de abortos voluntários à razão de 350 a 700 euros cada um. Não seria preferível promover a adopção das crianças indesejadas?

Não a uma lei que agrava o problema demográfico!

58. Além disso, Portugal perdeu, na última década, cerca de 500.000 habitantes e diminuiu significativamente a taxa de natalidade, de modo que o conjunto da população está a envelhecer e diminuir (e só não diminui mais graças à imigração). Será esta a ocasião ideal para incentivar o aborto? A Sr.ª Angela Merkel prometeu 25.000 € por cada criança!

Não a uma lei inconstitucional!

59. Uma resposta afirmativa no referendo abre caminho ao reconhecimento do direito ao aborto, que deve considerar-se insconstitucional!

É certo que o Tribunal Constitucional, em acórdão proferido em 19.3.1984 (por 8 votos a favor e 4 contra), não se pronunciou pela inconstitucionalidade do Decreto que está na origem da Lei n.º 6/84, de 11.5, que alterou o Código Penal de 1982.

Em novo acórdão sobre o mesmo diploma, proferido em 29.5.1985 (por 7 votos a favor e 6 contra), o Tribunal Constitucional considerou que o direito à vida só cabe a quem tem personalidade jurídica (que se adquire com o nascimento completo e com vida – Código Civil, art. 66.º), admitindo que a protecção da vida pré-natal, tenha de ceder, em caso de conflito, perante outros direitos fundamentais, como os direitos da mulher à vida, à saúde, ao bom nome e reputação, à dignidade, à maternidade consciente!

Estas posições, além de serem discutíveis e discutidas, não correspondem, todavia, a um correcto entendimento das conclusões da ciência da fetologia, que afirma ser a vida humana um processo de desenvolvimento único e ininterrupto, desde a concepção até à morte. E não é admissível que a protecção da vida do nascituro tenha de ceder perante o simples direito ao bom nome da mulher ou à maternidade consciente.

60. O acórdão do Tribunal Constitucional, aprovado em 17.4.1998 (por 7 votos contra 6), sobre a pergunta submetida a referendo ([38]), considera que “não havendo uma imposição constitucional de criminalização na situação em apreço, cabe na liberdade de conformação legislativa a opção entre punir criminalmente ou despenalizar a interrupção voluntária da gravidez efectuada nas condições referidas na pergunta”. Para 7 dos 13 Conselheiros, “o feto (ainda) não é pessoa, um homem, não podendo por isso ser directamente titular de direitos fundamentais enquanto tais” (incluindo o direito à vida) – embora reconheçam que o art. 24.º da Constituição integra “a protecção da vida humana intra-uterina” (com manifesta contradição interna).

O que está em causa não é apenas a protecção de um “direito” (que há quem queira reconhecer a um ser humano depois de nascer), mas a protecção jurídica de um ser humano, que existe como tal desde a fecundação, mesmo antes de nascer.

61. O mais recente acórdão do Tribunal Constitucional, de 15.11.2006 (por 7 votos a favor e 6 contra), considerou constitucional o referendo proposto; mas desprezando os dados científicos sobre o início da vida humana e com seis extensos e bem fundamentados votos de vencido, em que, nomeadamente, se considera que a referência da pergunta a “um estabelecimento de saúde legalmente autorizado” induz uma resposta afirmativa e que o sim ao referendo contraria o princípio da inviolabilidade da vida, consagrado no artigo 24.º, n.º 1, da Constituição.

62. O próprio Código Civil dispõe que “A personalidade adquire-se pelo nascimento completo e com vida” (art. 66.º, n.º 1); mas protege a personalidade física e moral, em termos que abrangem os nascituros. Nomeadamente, os nascituros podem ser perfilhados, podem adquirir bens por doação ou sucessão por morte e têm o direito a que a herança, que lhes seja deixada, seja administrada (Código Civil, art. 952.º, 1855.º, 2033.º e 2240.º). Pode, por isso, afirmar-se que os nascituros já têm personalidade jurídica, embora com capacidade limitada e condicionada ao nascimento com vida ([39]).

63. Por outro lado, há seres protegidos penalmente sem terem personalidade jurídica: é o caso, por exemplo, das espécies animais ou vegetais em vias de extinção, como o lince da Serra da Malcata, cuja morte é punível com prisão até três anos ([40]) – a mesma pena aplicável ao aborto, pelo art. 140.º!

Não ao aborto a pedido!

64. Se a redacção vigente do Código Penal já ultrapassa os limites da ética, uma resposta afirmativa à pergunta do referendo é de extrema gravidade, pois abre a porta a um aumento exponencial do número de abortos.

Actualmente, realizam-se já, no mundo, cerca de 45 milhões de abortos por ano! Isto, ao abrigo de leis liberalizadoras que os socialistas pretendem copiar.

Será que Portugal, que foi pioneiro na abolição da pena de morte para criminosos, vai a reboque da moda ([41]) tendente a autorizar a morte de seres humanos inocentes? E isso, por mera conveniência da mulher e das clínicas de aborto?

Será que Portugal, que foi pioneiro na abolição da escravatura, vai a reboque da moda tendente a negar a vida a seres humanos em desenvolvimento, só porque uma lei (modificável) não lhes reconhece a personalidade jurídica? Os esclavagistas também utilizavam esse argumento!

E isto, quando nos Estados Unidos e noutros países do mundo, se verifica que a legalização do aborto apenas tem como efeito o aumento exponencial do número de abortos, quer legais quer clandestinos – ou seja, quando as leis liberalizadoras têm efeitos opostos aos que se invocam como justificação para as introduzir. Pelo contrário, a experiência da Polónia mostra que a penalização do aborto reduz muito significativamente tanto os abortos legais como os clandestinos.

Será que vamos legalizar os roubos, a pretexto de que a maioria dos ladrões não são apanhados e é injusto que uns sofram na cadeia e os outros não?

65. A necessidade de protecção da vida humana é, hoje, patente também em relação à procriação artificial, eufemisticamente chamada procriação medicamente assistida (como se a procriação normal não beneficiasse, frequentemente, de assistência médica). É preciso que o legislador seja coerente na protecção da vida humana, desde a fecundação, proibindo a investigação sobre embriões que conduza à sua destruição; proibindo a utilização de embriões (matando-os) para produzir remédios para doenças de outrem (instrumentalizando um ser humano indefeso em benefício de outro); proibindo a produção de embriões excedentários destinados à morte; etc.

66. A comunicação social (sobretudo, a TV) criou a impressão de que o sim vai ganhar; mas só será assim se nós quisermos! Isso também aconteceu em 1998 e, depois, ganhou o não! Temos é que convencer todos os que nos cercam a votar não!

É preciso que todos votem: se houver mais de 50% de abstenções, o resultado do referendo não será vinculativo e os defensores da despenalização irão defender a despenalização por lei da Assembleia da República.

É preciso que todos votem não: mesmo que o referendo não seja vinculativo, a vitória do não é politicamente relevante – como aconteceu com o referendo de 1998.

Quem tem dúvidas, deve esclarecê-las (lendo os livros que tratam do assunto e participando em sessões de esclarecimento) e votar não!

Por todos estes motivos, no referendo sobre o aborto, a resposta só pode ser uma: não à despenalização do aborto a pedido! É mau matar seres humanos e aumentar o sofrimento da mulher!

Luís Brito Correia



[1] Mediante proposta do Partido Socialista, com o apoio político do PCP e do Bloco de Esquerda, a Assembleia da República resolveu (pela Resolução n.º 54-A/2006, de 20 de Outubro) propor novo referendo com a mesma pergunta a que a maioria dos portugueses votou não no referendo de 28.6.1998.

[2] Código Penal (aprovado pelo Dec.-Lei n.º 48/95, de 15.3, e alterado pela Lei n.º 90/97, de 30.7), art. 142.º.

[3] O aborto sem o consentimento da mulher é punível com prisão de 2 a 8 oitos; com o consentimento da mulher, com prisão até 3 anos (art. 140.º). Entretanto, o homicídio (não qualificado) é punível com prisão de 8a 16 anos (art. 131.º), e o infanticídio, com prisão de 1 a 5 anos( art. 136.º).

[4] Defender o aborto no caso de violação, equivale a acrescentar a uma violência outra violência. Se a mulher não deseja o filho, pode sempre oferecê-lo para adopção, que muitos casais desejam.

[5] Projecto n.º 19/2006. Naturalmente, este diploma pode ainda sofrer alterações, até à aprovação final global – que dependem dos resultados do referendo e do debate que o precede.

[6] Os defensores do sim no referendo dizem, por vezes que a lei não conduz à liberalização; mas liberalizar é tornar mais livre e a lei sujeita a referendo faz isso mesmo: além dos casos que a lei já admite, pretende-se permitir o aborto a pedido da mulher, por uma gama de motivos onde cabe tudo, inclusivamente a mera conveniência ou comodidade (a “saúde psíquica”) da mulher – ou seja, na prática, quaisquer que sejam os motivos invocados. Apenas condiciona o aborto à execução num estabelecimento de saúde legalmente autorizado; mas não se exige a intervenção de um médico – basta uma parteira ou uma qualquer empregada. O aborto clandestino continuará a ser penalizado.

[7] Direitos humanos ou direitos do Homem são os direitos de todo o homem só por ser homem, em expressão consagrada pela Declaração francesa de 1789.

[8] A Constituição impõe, também, que a lei garanta “a identidade genética do ser humano” (no art. 26.º, n.º 3).

[9] A Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova York, em 26.1.1990 (aprovada para ratificação pela Assembleia da República,pela Resolução n.º 20/90, de 12.9), considera criança “todo o ser humano menor de 18 anos, salvo se , nos termos da lei que lhe for aplicável, atingir a maioridade mais cedo” (art. 1.º). “1 – Os Estados Partes reconhecem à criança o direito inerente à vida. 2 – Os Estados Partes asseguram na máxima medida possível a sobrevivência e o desenvolvimento da criança” (art. 6.º).

[10] Em rigor, o ser humano vai tendo designações diferentes, consoante as fases da vida: embrião (até às 8 semanas: ovócito, até à primeira divisão da célula resultante da fusão do óvulo com o espermatozóide, zigoto, até à nidação, mórula, nos primeiros 6 dias; blástula ou blastocisto, com mais de 6 dias), feto (das 8 semanas até ao nascimento), bébé (recém-nascido até que sabe andar), criança (desde o nascimento até à puberdade – ou, segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança, até aos 18 anos ou à maioridade), adolescente (desde a puberdade, aos 12 ou 14 anos, até aos 18 anos), adulto (depois dos 18 anos).

[11] Às 8 semanas, todos os órgãos estão presentes e em funcionamento, com excepção dos pulmões – embora, evidentemente, em rápido crescimento. Há sinais de actividade cerebral rudimentar a partir das 5 semanas. Como o ritmo cardíaco do embrião, nessa fase, é de cerca de 178 pulsações por minuto, enquanto a da mãe é de cerca de 56 a 70, é de supor que exista um sistema nervoso autónomo a comandar tal ritmo.

[12] Como entenderam 6 dos 13 conselheiros do Tribunal Constitucional, no acórdão de 15.11.2006.

[13] Diz-se que um dos motivos da escolha das 10 semanas é o facto de serem mais frequentes as complicações do aborto feito posteriormente e de cerca de 75% dos abortos serem feitos nesse período. Mas isso são razões meramente pragmáticas, que desprezam a natureza humana do embrião ou do feto nesse período. Entretanto, verifica-se que cerca de 10% das mulheres (sobretudo, as mais carenciadas) só descobrem que estão grávidas depois das 10 semanas, por vezes, só passados três meses. Por isso, é de prever que, se o “sim” ganhar, assistiremos daqui a pouco tempo a reivindicações para que o prazo de 10 semanas seja alargado, porventura até ao nascimento – como aconteceu noutros países.

[14] Código Civil, art. 335.º.

[15] Direito natural é um conjunto de normas que visam a justiça e que se baseiam na natureza humana, impondo-se, por isso, a todos os homens e aos próprios legisladores. Consequentemente, deve ser respeitado pelo próprio legislador constituinte, embora possa ser concretizado pela lei ordinária de modos diversos, consoante os tempos e os lugares, quer para garantir abusos de outros homens, inclusivamente em funções de autoridade, quer para o compatibilizar (coercivelmente) os direitos de uns com os de outros de igual ou superior importância.

[16] “Guardarei respeito absoluto pela vida humana desde a concepção” (fórmula de Genebra, adoptada pela Associação Médica Mundial, em 1948). Nele radica a objecção de consciência da esmagadora maioria dos médicos contra abortos provocados por motivos não clínicos. Alguns abortistas querem, agora, alterar esta fórmula; mas deve manter-se. O aborto não é um acto médico, porque mata a criança e causa danos à saúde da mulher.

[17]Não matarás” (Ex 20, 13; Mc 10, 19); “Vós formastes as entranhas do meu corpo e me criastes no seio de minha mãe” (Sl. 138, Sl. 21 e Sl. 70); Santa Isabel reconheceu Jesus no seio da Virgem Maria, quando da visitação (Lc. 1, 39 a 45).

[18] Segundo o canon 1398, “Quem procurar o aborto, seguindo-se o efeito, incorre em excomunhão latae sententiae”.

[19] Cf. DALIL BOUBAKEUR, “L’embryon dans l’Islam”, DENIS MULLER, “Le débat sur le statut et la protection de l’embryon en ethique protestante”, BERNARD LOBEL “Le statut de l’embrion – Position juive”, in BRIGITTE FEUILLET-LE MINTIER, L’embrion humain – Approche multidisciplinaire, Paris, Economica, 1996, pág. 297 e segs., 303 e segs. e 313 e segs., respectivamente; DOM ROBERT LE GALL – LAMA JIGMÉ RINPOCHÉ, Le Moine et le Lama – Entretien avec Frédéric Lenoir, Paris, Fayard, 2001 («Le Livre de Poche», n.º 15512), pág. 366 e segs.

[20] O Código Penal português de 1852 consagrou, expressamente, o aborto como crime autónomo, no art. 358.º. Antes, a doutrina considerava o aborto equiparado ao homicídio, punido pelas Ordenações, embora alguns autores entendessem que o aborto só era crime a partir do terceiro mês da gravidez (Cf. Silva Ferrão, Theoria do Direito Penal Aplicada ao Codigo Penal Portuguez, vol. II, pág. 82, nota 3). Na Inglaterra, foi aprovado, em 1869, o Offences Against the Person Act. Cf. J. DELLAPENNA, “The History of abortion, Technology, Morality and Law”, in University of Pittsburgh Law Review, 1979.

[21] Primeiro, no Japão (em 1948), depois, na Grã-Bretanha (em 1968). Nos E.U.A., foi criada, em 1969, por Lawrence Lader, B. Nathanson e outros a National Association for Repeal of Abortion Laws (NARAL), que, com Betty Friedan e o seu grupo de feministas, promoveu a aprovação de leis liberalizadoras do aborto nos vários estados americanos, a primeira das quais entrou em vigor em Nova Iorque, em 1.7.1970. Cf. B. Nathanson, La mano de Dios, pág. 110 e segs..

[22] A própria Norma McCorvey (nome da Jane Roe, autora do processo Roe vs. Wade), arrependida do que provocou, faz, hoje, campanha a favor do respeito pela vida e contra a despenalização do aborto.

[23] B. Nathanson, médico obstetra, foi um dos principais militantes pro-abortistas nos anos sessenta e setenta, nos Estados Unidos, sendo actualmente um dos mais acérrimos militantes “pro-life”. Cf. BERNARD Nathanson, The hand of God, Regnery Inc., 1997 (trad. espanhola: La mano de Dios – Autobiografia y conversión del llamado «Rey del aborto», Madrid, Libros MC, 2.ª ed., 1997).

[24] Em 7.11.2006, no Dakota do Sul, foi rejeitada em referendo uma proposta no sentido de só permitir o aborto quando esteja em risco a vida da mãe – o que seria a lei mais restritiva dos EUA. Na Califórnia, foi rejeitada por 53 contra 46 votos a Proposta 85, tendente a exigir a notificação dos pais de menores em busca de aborto. E, no Oregon, foi rejeitada uma proposta no sentido de exigir a notificação dos pais e um período de espera de 48 horas antes de uma menor poder fazer um aborto. Assim, mantêm-se em vigor as leis anteriores.

[25] Cf. United States Bureau of Commerce, Department of the Census. National Data Book and Guide to Sources, Statistical Abstract of the United States, Washington, DC, U.S. Printing Office,1990, 110th. edition.

[26] A legislação aplicável é a seguinte: Lei Orgânica 10/1995, de 23.11, do Código Penal (B.O.E. de 24.11.1995); Lei Orgânica 9/1985 de 5.7, de Reforma do art. 417 bis do Código Penal (B.O.E. de 12.11.1985); Real Decreto 2409/1986, de 21.11, sobre centros acreditados e disposições sobre a prática legal da interrupção voluntária da gravidez (B.O.E. de 24.11.1986).

[27] Cf. Relatório Anual da Ford Foundation, de 1996. Segundo edição recente do Le Monde, em França, fazem-se cerca de 200.000 abortos por ano!

[28] Só muito recentemente se tem verificado algum decréscimo no número de abortos, em consequência da maior divulgação de métodos anti-concepcionais mais eficientes. É o que se passa na Holanda. Na Itália, em 1978 (1.º ano após a legalização) houve 68.000 abortos; em 1979, houve 180.000; nos anos 80 chegou a cerca de 210.000; ultimamente desceu para cerca de 130.000 (ainda assim, o dobro do 1.º ano).

[29] Estes números devem considerar-se aproximados, porque divergem dos obtidos por outras fontes. Segundo o Instituto Nacional de Estatística, em 2004, ocorreram 1085 interrupções médicas de gravidez (IMG). Este número, obtido com base em inquéritos às administrações hospitalares, parece incluir abortos espontâneos. À Direcção Geral de Saúde (DGS) apenas chegou conhecimento, com base em preenchimento de um formulário pelos chefes de serviço de obstetrícia, de 775 IMG no quadro legal. Mas os dados do sistema do Ministério da Saúde (o GDH) que atribui financiamento às unidades hospitalares revelam que houve 814 abortos legais. Estes dados sugerem que o número de abortos clandestinos será muito inferior aos palpites divulgados pela imprensa (25 a 30 mil por ano).

[30] De 1993 a 1995, nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde português, registaram-se anualmente cerca de 227 a 295 abortos legais e de 266 a 168 abortos ilegais, a que se poderão, porventura juntar mais 3.000 por causa não especificada (segundo refere o relatório de José Magalhães; cf. http://www.partido–socialista.pt/ps/ar/biblioteca/aborto/relatorio/relatorio. html). Em contrapartida, entre 1993 e 1996, foram registados pelas autoridades policiais 43, 39, 26 e 29 abortos por ano, respectivamente. Foram instaurados, por ano, entre 3 e 10 processos por crimes contra a vida intra-uterina e condenados 1 a 13 arguidos (cf. Estatísticas da Justiça, Lisboa, INE). Segundo as informações de que disponho, todos os julgamentos recentes, em Portugal envolveram mulheres que tinham praticado abortos depois das 10 semanas. Alguns defensores do “sim” dizem que houve 8 mulheres condenadas por aborto nas primeiras dez semanas – ainda assim, um número muito reduzido em confronto com os 17 ou 20 mil “abortos clandestinos”, que eles dizem que ocorrem por ano, em Portugal.

[31] Em hospitais públicos, o tempo de espera por uma consulta de planeamento familiar é de cerca de 6 meses; uma consulta de fertilidade, demora cerca de 2 anos; o tratamento de uma patologia maligna demora 2 a 3 semanas; o de uma patologia benigna, pode demorar 4 a 6 meses. Um aborto deverá ter prioridade absoluta sobre esses casos (sob pena de passarem as 10 semanas)?!

[32] Sabe-se que muita gente vai a consultas ou tratamentos de diversas doenças em clínicas estrangeiras, mesmo que existam equivalentes em Portugal – por pensarem (bem ou mal) que aquelas são melhores.

[33] É anacrónico, por isso, o dilema afirmado por Zita Seabra, em 1984, de que “um Estado civilizado não pode colocar à mulher e cidadã a bárbara escolha entre levar até ao fim uma gravidez forçada ou ir para a prisão cumprir uma pena de aborto”. Aliás, Zita Seabra já não defende tal afirmação. O que é bárbaro é matar crianças inocentes. Gravidez forçada existe só no caso de violação, que já está despenalizado. E porque é “bárbara” a escolha até às dez semanas e não depois?

[34] Números de 1988. Cf. United States Bureau of Commerce, Department of the Census. National Data Book and Guide to Sources, Statistical Abstract of the United States, Washington, DC, U.S. Printing Office,1990, 110th. edition.

[35] Na Rússia, mais de 60% das gravidezes são interrompidas voluntariamente, cerca de 10% das quais por jovens com menos de 18 anos. De 38 milhões de mulheres com 12 a 50 anos, metade são inférteis, sendo o aborto a principal causa de infertilidade. Cf. www.LifeSiteNews.com, de 12.4.2005.

[36] Números de 1988. O Governo de Bush alterou esta política.

[37] O Orçamento de Estado para 2007 inclui já verbas para isso.

[38] Acórdão n.º 288/98, in Diário da República, I série, n.º 91, de 18.4.1998.

[39] “Os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento com vida” (art. 26.º, n.º 2). Cf. Rabindranath Capelo de Sousa, O Direito Geral da Personalidade, Coimbra, Coimbra Editora, 1995, pág. 156 e segs. e 361 e segs.. Para um maior aprofundamento da questão, cf. MÁRIO BIGOTTE CHORÃO, “O problema da natureza e tutela jurídica do embrião humano à luz de uma concepção realista e personalista do Direito”, in Pessoa Humana Direito e Política, Lisboa, INCM, 2006, pág. 421 e segs.

[40] Cf. Código Penal, art. 278.º.

[41] Ou ex-moda, porque os resultados das duas últimas eleições nos EUA mostram que a opinião pública americana mudou a este respeito.