Proposta de uma designação mais popular e apolítica da identidade nacional
No verão passado, alguns jovens portuenses encontraram-se numa capital europeia com um grupo de rapazes norte-americanos, que ignoravam a existência e a localização de Portugal. Alguns ainda alvitraram ser um Estado da América Central, ou do Sul, ou até mesmo uma nação africana. Ou seja, em qualquer caso – com perdão! – uma república das bananas.
A ignorância dos outros não afecta a nossa dignidade nacional, mas a verdade é que, por muito que doa ao nosso patriotismo, talvez os «yankees» tenham razão. Sim, provavelmente Portugal, em termos legais, não existe.
Salvo melhor opinião, o país que ocupa a faixa ocidental da península ibérica e as ilhas adjacentes chama-se, oficialmente, República portuguesa. O Chefe de Estado não é o presidente de Portugal, mas apenas da República portuguesa. O parlamento nacional é tão só, na terminologia oficial, a Assembleia da República, que nominalmente nem portuguesa é...
A própria lei fundamental, que deveria ser o texto constitucional da nação e não apenas do sistema político vigente é, em termos literais, a Constituição da República portuguesa, muito embora Portugal seja referido em alguns dos seus artigos, como o 1º, o 5º e o 7º. Outro tanto se diga da Procuradoria-geral da República e de muitas outras entidades oficiais, que são em geral republicanas, mas não nacionais.
No Bilhete de Identidade também não consta o nome de Portugal, mas sim o da República portuguesa. Quer isto dizer que os respectivos titulares são, legalmente, republicanos-portugueses, como os cidadãos da Coreia do Sul são sul-coreanos e não apenas coreanos?! Nesse caso, os que só sejam portugueses, ou não sejam republicanos, são, em termos legais, apátridas, como qualquer coreano que não seja do norte nem do sul. Ou, pelo contrário, se o Bilhete de Identidade credencia o seu portador como português e não republicano-português, dever-se-á então concluir que o Estado correspondente não é a República portuguesa, mas Portugal?!
Para a nomenclatura oficial, a implantação da República significou, gramaticalmente, o fim de Portugal substantivo, porque antes o país não era a monarquia portuguesa, mas Portugal, ou o Reino de Portugal. Com o 5 de Outubro de 1910, o nome da pátria passou a adjectivo, perdeu a maiúscula e ficou reduzido à minúscula condição de uma secundária circunstância, um apodo da organização estatal.
A República, ao sobrevalorizar o regime em detrimento da nação, eclipsou a expressão histórica da identidade de um dos mais antigos países da Europa que, por este motivo, ficou conotada com o anterior regime. Mas a denominação nacional, que remonta à fundação da nacionalidade e persiste na língua e na cultura popular, na filatelia, nas selecções desportivas, etc., não é propriedade exclusiva de nenhum sistema ou partido político.
No país vizinho não há aldeia em que não exista uma praça de Espanha, como entre nós todos os lugarejos têm uma avenida da República. Porque razão? Porque o que é óbvio não carece de explicitação, mas sim o que o não é. Os espanhóis não precisam de afirmar a sua forma de Estado, que é comum a quase toda a sua história, mas sim a sua recente e ainda polémica unidade nacional. Ao invés, a nacionalidade portuguesa está firmemente consolidada por oito séculos de pacífica unidade, mas não a República que, por este motivo, precisou de se afirmar através de uma nomenclatura oficial e artificial.
Sem anacrónicos saudosismos do Estado Novo ou da Assembleia Nacional, nem tomar partido sobre a questão do regime, talvez não fosse descabido, agora que de novo se fala de uma revisão constitucional e se questiona a pertinência do hino e da bandeira republicana, propor uma fórmula mais plural e popular da nossa identidade colectiva.
Mais de um século volvido sobre a implantação da República, é hora de que a nação se desprenda de uma aparentemente obsoleta terminologia ideológica e adopte, oficialmente, na sua Constituição, nos seus órgãos de soberania e nas suas entidades oficiais, uma designação menos facciosa e mais consensual. É algo, aliás, que já acontece nas nossas missões diplomáticas, que são denominadas embaixadas de Portugal e não da República portuguesa. Nada obsta, portanto, a que o chefe de Estado, a lei fundamental ou o parlamento o sejam também, apenas e só, de Portugal.
A Igreja não deve intrometer-se em questões partidárias, nem manifestar simpatia ou aversão por qualquer regime político mas, como força de coesão social, pode e deve favorecer a reconciliação nacional, como sempre o fez, antes e depois de 1910. O nosso país, como pátria comum a todos os cidadãos, sejam republicanos ou monárquicos, de esquerda ou de direita, cristãos ou pagãos, talvez favorecesse a concórdia nacional e o seu prestígio internacional se adoptasse, oficialmente, o nome que melhor expressa a sua gloriosa e multissecular identidade: Portugal.