Passo a
transcrever o discurso de um camarada (gravado com o telemóvel) que escutei na
noite de Natal, depois da Missa do Galo, ao deparar, imprevistamente, com uma
aglomerado compacto de gente, no regresso ao convento:
A catástrofe está
aí e ninguém deu por nada, a não ser um resto bárbaro de verdugos de mulheres! Pois
então não há quem se levante e se amotine perante esta calamidade do encarceramento
de uma mulher só porque matou dois rebentos, um de dois anos e meio, e outro de
um. Pelos vistos querem empurrar as mulheres para o infanticídio clandestino! Não
há nenhuma mulher que infanticidie de ânimo leve! As mulheres são responsáveis!
Querem obrigar as mulheres a serem mães!
Então está
tudo esquecido das declarações, proclamações, entrevistas, debates, manifestações,
publicações, diariamente, durante anos infindos, que fizemos contra a prisão
das mulheres por homicidiarem seus filhos nascituros, quando nenhuma estava detida!?
E agora que lançaram esta numa enxovia, ainda antes de ser julgada, estamos
entorpecidos, calados, indiferentes, entretidos! Não sabemos nós camaradas que
a mulher parricida de seus rebentos é uma vítima!? Ignoramos porventura que
aqueles pedaços de gente, quase humanos, não são pessoas!? Nem barba! Nem dentição
de jeito! Nem seios! Nem capacidade de se reproduzirem! Nem uso da razão! Nem cérebro
totalmente formado! Aquilo são tumores vadios! montes
de células esperneantes! Berreiros de fraldas! Predadores
de nosso sossego! Devoradores do nosso sono! Egoísmos insaciáveis! Esparvoados
de chupeta! Só quem quer traumatizar as mulheres, argui-las, acusá-las, prendê-las,
é que monstruosamente inventa essa nomeação de pessoa!
Camaradas! Esta
mulher encalabouçada, perseguida brutalmente pelos esbirros de uma comunicação
social ignara e primitiva, censurada pelos infames cristãos, vituperada pelos crudelíssimos
pró-vida, é uma vidente, uma pioneira! Ela antecipou genialmente aquilo que não
nos atrevemos a pensar ou, pelo menos, a declarar: o abortamento depois do
parto, o aborto infantil.
Faz todo o
sentido, camaradas! Agora já podemos dizê-lo, camaradas, a liberalização do abortamento
até às 10 semanas constitui um limite desumano, aliás, qualquer IVG até ao
parto é impiedosa para a mulher. Nisso teremos de reconhecer alguma, embora
diminuta, razão aos trogloditas implacáveis inimigos das mulheres. Há sempre nefastos
efeitos secundários dos fármacos e consequências nocivas das cirurgias. Além
disso, há grandes custos suportados pelo serviço nacional de saúde e pela
segurança social. Acresce que se podia afectar esse pessoal de saúde a outras áreas
diminuindo assim algumas listas de espera.
Mobilizemo-nos
camaradas! Reivindiquemos o direito das mulheres ao aborto infantil! É fácil, é
barato, ou melhor, de graça, pode-se fazer aos milhões. Não constitui perigo
para as mulheres. Elas poderiam, até à idade da razão (7 ou 8 anos) decidir se
queriam ou não ser mães. É preciso verificar se os filhos vêm em condições, se a
conjuntura económica e social permite ou não tê-los, se são enfermiços ou
escorreitos, se têm ou não aproveitamento escolar, se são dotados para o
desporto ou não, se estão ou não concordes com as preferências das mulheres, etc.
Urge, de
imediato, um referendo sobre a liberalização do infanticídio. O povo português
tem continuamente dado provas do seu bom senso, da sua sensatez, do seu
humanismo.
Pela circunstância
que vivemos, em virtude do que escrevemos acima, temos a vitória garantida,
libertaremos as mulheres desta escravidão moralista que as oprime, ergueremos
uma estátua à grande pioneira, fá-la-emos candidata a primeiro-ministro, nas próximas
eleições, e ninguém nos vencerá.
Não,
camaradas, pelos corpos! (a minha mãe dizia pelas almas, mas não passava de uma
supersticiosa retrógrada, alienada), não! A actual maioria parlamentar poderá rouquejar
umas palavras de crítica mas no fundo não se oporá. Aliás, camaradas acabaram
sempre por se render aos nossos propósitos consolidando aquilo que contra eles
conquistámos, como agora se tem verificado em relação à liberalização do
aborto. A Igreja também amandará umas bocas mas, como tem medo de aparecer como
derrotada, crucificada na opinião pública, daí não virá resistência
significativa. Camaradas, dentro em pouco teremos os nossos advogadores do infanticídio
pregando na Rádio Renascença e ensinando na UCP. Dos movimentos pró-vida também
nada há a recear, dar-lhes-emos a derrogação da liberalização do aborto até às
10 semanas e é vê-los, com a Igreja, muito felizes por após estes anos de luta conseguirem
o que vão considerar uma vitória triunfante. Não é verdade, que desde que ganhámos
o referendo de 2007, da liberalização do aborto, eles repetem até à saciedade
que ganham o referendo todos os dias?
Alerta
camaradas! Recorramos às tácticas costumeiras! Lancemos de nós esta anestesia
que nos impediu de reagir a este ataque ignóbil às mulheres. Os amanhãs cantarão
para elas!
26. 12. 2012