A crise, o desemprego e a pobreza obrigaram a Igreja Católica a
recentrar-se na sua função de solidariedade social, cada vez mais
criteriosa, devido aos crescentes pedidos de ajuda, de famílias
inteiras, algumas no limite de sobrevivência.
Da Igreja e dos padres já não se espera apenas consolo espiritual e
orientação moral. Para aqueles que deixaram de conseguir fazer face às
despesas, crentes ou não crentes, as suas paróquias transformaram-se
numa 'tábua de salvação', muitas vezes a última esperança para quem já
bateu a todas as portas onde podia encontrar auxílio.
O padre Mário Rui Pedras, pároco na igreja de S. Nicolau, em Lisboa,
entende que a crise, apesar de ser "em si mesma uma coisa muito
desagradável", pode também ser uma oportunidade para refletir sobre a
atual situação, e até mesmo "um convite à mudança e à conversão
[religiosa]".
Mas é sobretudo de bens essenciais que se tem feito o apoio prestado
pela paróquia. Com a ajuda de voluntários e dos donativos que chegam à
igreja, a paróquia de S. Nicolau apoia neste momento 12 famílias
carenciadas, todas as semanas, com alimentos frescos e não só.
Outras 153 são ajudadas todos os meses, com alimentos doados pelo
Banco Alimentar e pela comunidade. Só no mês de outubro esta pequena
paróquia recolheu e distribuiu mais de 280 kg de alimentos.
"A igreja é relativamente pobre e o que fazemos é o milagre da
multiplicação: pedimos para dar, mas também encontramos apoios noutros
setores", disse o padre, em entrevista à Lusa.
O desemprego foi o principal responsável pela "nova realidade de
pobreza" com que esta paróquia passou a lidar diariamente, tendo desde
então tentado encaminhar as situações que ali chegam para "pequeninas
bolsas" de emprego que conhecem.
"É um trabalho mínimo, pequenino, obviamente, mas que tem algumas
respostas. Há outro tipo de respostas muito simples que vamos dando.
Estamos neste momento a apoiar dez famílias que vivem em situação de
dificuldades, por não terem dinheiro para pagar a renda, a luz, a água,
os livros dos filhos. Depois de fazermos a triagem, encontramos um
conjunto de apoios de outras famílias que vão ajudando a resolver estas
situações", contou o padre.
Histórias como estas repetem-se por todo o país. O presidente da
Cáritas Diocesana do Algarve, Carlos Oliveira, revelou à Lusa que esta
instituição, com sede em Faro, entre janeiro e novembro, atendeu 1033
famílias necessitadas, das quais 404 eram novas famílias em relação a
2011. No total, estas 1033 famílias representam 2665 pessoas, mais 1087
do quem 2011.
Rendas e prestações de casa, água, luz, gás, livros escolares,
propinas. À Cáritas do Algarve chegam pedidos de ajuda para todo o tipo
de despesas. A alimentação, sendo uma das maiores carências, não é o
apoio mais procurado, apesar de tudo.
"As pessoas ficaram desempregadas, mas não é por causa disso que
falta comida à mesa. Depois atrasam é o pagamento da renda de casa e das
contas da água, luz e gás", explicou.
Por serem cada vez mais os pedidos de ajuda, é também cada vez mais
difícil dar resposta a todos. A instituição tem sido obrigada a recorrer
ao Fundo Diocesano Social, constituído por donativos e por um
vencimento anual de cada pároco da diocese, mas Carlos Oliveira revelou
que neste momento ele "está quase esgotado", o que obriga a analisar de
forma "muito precisa" os pedidos que chegam para poder "dividir o mal
pelas aldeias".
Desde que foi criado, em fevereiro de 2009, este fundo já distribuiu ajudas num valor superior a 91 mil euros.
Em Viana do Castelo, outra Cáritas, a mesma realidade. Ao telefone, o
tesoureiro da instituição, Carlos Barbosa, desfia a contabilidade da
pobreza do distrito com a tranquilidade quase indiferente de quem
convive diariamente com ela.
À Cáritas de Viana do Castelo chegaram até novembro 1766 famílias a
pedir ajuda, mais 148 novas famílias do quem 2011. Já foram gastos mais
de 56 mil euros até novembro, quando o total dos apoios em 2011 se tinha
ficado pelos 42 mil euros.
Também até novembro, e desde o início do ano, a instituição de Viana
do Castelo pagou 6.100 euros de contas de eletricidade em atraso, 3.700
euros em contas de gás, 3.100 euros em rendas, e gastou mais de 16 mil
euros com ajudas médicas para medicamentos, consultas particulares,
óculos, vacinas, entre outras coisas.
Quem ali chega pede ajuda para tudo: para comer, para comprar
fraldas para idosos, para pagar o passe social dos filhos, para pagar os
livros escolares, para comprar enxovais para recém-nascidos, até para
pagar o IMI (Imposto Municipal sobre Imóveis).
Carlos Barbosa garantiu que, apesar da crise, ainda não há quebras
nos donativos, e que com o auxílio de uma verba mensal que recebem da
Câmara Municipal ainda conseguem chegar "ao que é essencial".