O Cardeal Meisner autorizou que
nos hospitais da sua Diocese se recorresse à “pílula do dia seguinte” nos casos
de mulheres violadas, uma vez que alguns desses fármacos não teriam efeitos
abortivos mas somente anovulatórios, isto é impediriam a ovulação no caso de
esta não ter ocorrido, mas nos casos em que a fecundação se tivesse verificado
não estorvariam a nidação da pessoa recentemente concebida no aconchego do seio
ou útero materno. A ortodoxia do Senhor Cardeal na declaração Doutrinal que faz
é inatacável: se um fármaco não tem efeitos abortivos deve ser aplicado nos
casos de violação para, no caso de que a ovulação não tenha ocorrido, se evite
a concepção. Já a decisão, que deriva do seu poder de governo eclesial, de
autorização da pílula do dia seguinte nos hospitais não goza de autoridade
Magisterial (Doutrinal), mas trata-se tão-somente de uma decisão prudencial (ou
imprudente…) que pode, e talvez deva, ser discutível. Por isso, não admira que
tenha estalado a polémica no mundo católico. Em defesa do Cardeal Meisner saiu
a Conferência Episcopal alemã. Numa entrevista informal, o Presidente da
Academia Pontifícia para a Vida, o Bispo (Opus Dei) Ignacio Carrasco di Paula,
um eminente Académico na área da Bioética, confirmou a Doutrina e adiantou que
a verificação da abortividade dos fármacos competia aos médicos. Se interpreto
bem as suas declarações, julgo que poderão dar azo a alguma ambiguidade, não
lançando um esclarecimento definitivo sobre o assunto. Entretanto, Bispos, médicos
eminentes e mesmo, pelo menos, uma Conferência Episcopal, pelo seu porta-voz, têm
repudiado as conclusões da Conferência Episcopal alemã.
Para delimitar bem o problema
creio ser importante esclarecer, desde já, que nos casos de violação a toma de
um fármaco cuja finalidade seja o de impedir a fecundação, do ponto de vista
moral, não é de modo nenhum um acto contraceptivo. Para que se dê um acto
contraceptivo é necessário que se intente (voluntariamente) esterilizar uma
entrega mútua, livremente consentida, que de si poderia dar origem a uma nova
pessoa humana. É isto que a Igreja ensina ser intrinsecamente perverso, uma vez
que separa propositadamente os significados de união e de procriação, e que não
admite excepções. Ora, a violação não é um acto de união mas sim de violenta invasão.
A polémica, toda ela, centra-se
pois na capacidade abortiva, ou não, da pílula do dia seguinte (pds) (expressão
usada pela Conferência Episcopal alemã). Nesta controvérsia estão implicados médicos
eminentes, que contestam, com erudição e perspicácia, os estudos apresentados
ao Episcopado alemão que o terá levado à decisão de autorizar algum tipo de pds,
nos casos de violação. Pelo que me parece totalmente compreensível a reacção da
Conferência Episcopal espanhola quando afirma que se a Conferência Episcopal
alemã possui estudos credíveis, sem falhas nem manigâncias, que os mostre para
apreciação pública. O eminente médico Renzo Puccetti, da Academia Pontifícia da
Vida, critica vigorosamente os estudos que pretensamente “provam” a não
abortividade de um dos preparados da pds e reclama que a Conferência Episcopal
alemã peça um parecer formal à Academia Pontifícia da Vida.
Com tanta divergência entre gente
tão graúda e qualificada parece-me elementar que se recorra ao princípio da
precaução. Isto é, que não se aplique tal fármaco na dúvida de ter ocorrido ou
não a ovulação; pois se não existe a certeza (objectiva e não meramente
subjectiva) de que um acto irá assassinar uma pessoa eminentemente inocente e
vulnerável, como é o ser humano quando desponta para a vida, é elementar reconhecer que só se pode
suspender tal acto.
Espera-se pois que a Santa Sé
venha a tomar, tão depressa quanto possível, uma posição clara sobre este
assunto da maior gravidade, pois estamos todos meio pírulas nos dias seguintes a estas controvérsias