01. 03. 2013
Achei interessante a reacção incrédula
de alguns amigos (que, na sua generosidade, fazem o sacrifício de me ler) a
propósito da possibilidade de manipulação das declarações de um confrade
franciscano, que invoquei no texto Grande
sexoconfusão, que, de pronto, me enviaram gravações das imagens sonoras
para descartar irrevogavelmente a possibilidade de qualquer “batota” na
reportagem. Julgo que nesse artigo é claro que não afirmo houve mas tão-somente
aventei essa hipótese dada a discrepância entre a conversa que tive com ele, no
dia seguinte, e o que vi e ouvi nas televisões.
Porém, a questão que me motivou a
escrever este texto tem a ver com o saber se nos dias de hoje se pode confiar,
cegamente, ou não nas imagens, mesmo quando sonorizadas, que nos são
apresentadas. Confesso que em relação a isso tenho as maiores dúvidas e até
severas reservas. De facto, com a tecnologia de que hoje se dispõe é muito
fácil manipular, distorcendo ou falseando, as declarações prestadas, não só em
diferido mas mesmo em directo.
Darei somente alguns exemplos imaginados extremamente
simples, sem entrar nas possibilidades mais sofisticadas:
a) Numa reportagem em que sou
entrevistado, a certa altura mostram-me a dizer: “Deus não existe! Isto não é
invenção minha mas uma citação literal da Bíblia”. Logo correria em grande
parte dos grandes meios de comunicação social: ‘Padre reconhece e confessa que a
Bíblia advoga o ateísmo’, ou qualquer coisa do género. Eu disse aquilo? Disse.
Mas corresponde isso ao que eu afirmei? Nem por sombras. De facto, esse trecho
tinha sido amputado do seu contexto. O que tinha afirmado era: “A
vida de pecado habitual pode produzir uma soberba ou orgulho que cegue o nosso
olhar interior a tal ponto de não mais enxergarmos Deus, a Sua existência: ‘O
ímpio diz, na sua arrogância: Ele não
me castigará! Deus não existe! Isto não é invenção minha mas
uma citação literal da Bíblia, concretamente
do Salmo 10 versículo 4”. Ao
editar a peça bastará cortar, neste caso, o que vem antes para me pôr a dizer
exactamente o contrário daquilo que expressei.
b) Entrevistam-me a propósito da
homossexualidade. A certo ponto mostram-me a dizer: “As pessoas que têm inclinações
homossexuais sofrem muito, diz-mo a minha experiência”. Eu disse isso? Disse,
sim senhor. Mas foi somente isso que afirmei? Não o foi, de todo. Mas então o
que foi, afinal? Foi o seguinte: “As
pessoas que têm inclinações homossexuais sofrem muito, diz-mo a minha
experiência. Falo da minha
experiência de Padre, que tem atendido variadíssimos pessoas que padecem dessas
tentações”. Ao cortar esta frase final, a reportagem poderá induzir um
grande número de pessoas a tirarem conclusões, temerárias e infundadas, sobre
aquilo que realmente exprimi.
Reconheço que estes exemplos são
elementares e que julgava não ser preciso referi-los para ilustrar a
possibilidade de manipulação dolosa na comunicação social. Convirá talvez
informar aqueles que não estão a par dos métodos de grande parte dos meios de
comunicação social que este tipo de reportagens entrevista uma pessoa durante
uma hora ou mais para depois passar somente alguns minutos ou mesmo uns míseros
segundos daquilo que a pessoa disse. Com os meios sofisticados de que nos dias
de hoje dispõem podem os média facilmente pôr-nos a dizer o que eles quiserem.