sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Produzem-se Crianças e Alugam-se Panças

Grande parte do essencial sobre os problemas que os projectos de “legalização” das “barrigas de aluguer” implicam já foi descrito aqui, aqui, aqui, aqui e, numa visão mais abrangente de toda a problemática da procriação artificial, aqui.

Neste texto quereria tão só chamar a atenção para alguns pontos que porventura ainda não foram aflorados, a propósito dos princípios ou absolutos éticos não negociáveis. Importa em primeiro lugar indicar que a actual crise económica e financeira é originada por uma corrupção ética e religiosa, como o Santo Padre tem repetido incansavelmente, que mina os fundamentos da sociedade civil e da comunidade política. Esta agressão violenta ao bem-comum, isto é, ao bem de todos e cada um – desde a sua concepção até à morte natural -, perpetrada por “leis” injustas e iníquas é alimentada por uma comunicação social perversa, e é aceite com resignação condescendente por uma grande maioria dos prelados, os quais parecem ter renunciado ao bom combate da Fé para se limitarem a adaptarem-se àquilo que julgam, erroneamente, inevitável; acresce que esses prelados parecem ter uma visão do estado como neutral (coisa aliás impossível), ignorando, as obrigações deste quer para com a Lei Natural quer para com a Religião verdadeira, isto é, o Catolicismo, como o ensina o Concílio Vaticano II (sim, o Vaticano II). Dá impressão que esses Pastores, achando embora que Jesus Cristo seja útil, não O consideram necessário e indispensável para uma organização social e política verdadeiramente humana. Não, evidentemente, através de qualquer imposição mas sim de proposta pública testemunhando explicitamente a Fé juntamente com a argumentação racional. Só Jesus Cristo revela plenamente o homem a si mesmo, torna perceptíveis todas as exigências da Lei Natural, bem como incute o desejo de a cumprir e comunica a força, a Graça, para a poder realizar na sua totalidade.

Nas últimas eleições legislativas não estava somente em jogo o futuro económico e financeiro da nação portuguesa mas principalmente a rejeição de um caminho suicida, cruel e desumano manifesto na liberalização do aborto, na “lei” da falsamente intitulada PMA, do divórcio expresso sem culpa, do imprópria e absurdamente chamado “casamento” de pessoas do mesmo sexo, da imposição totalitária de uma degradação sexual, mascarada de educação, nas escolas, etc.


É inteiramente indecoroso e detestável que os partidos que agora têm maioria absoluta na assembleia da república nada façam para derrogar aquelas deformidades legislativas e monstruosidades inumanas. Antes se mostrem indulgentes ou se conformem ou as queiram intensificar, como agora mais uma vez se verifica.


O psd admite, em certas circunstâncias, o arrendamento de panças para crianças fabricadas por tecnocratas em gélidos laboratórios sem querer ver os espezinhamento da transcendente dignidade da pessoa humana quer no bebé produzido quer na hospedeira.


O cds fez-nos hoje chegar esta nota extraordinariamente hipócrita e relativista:


“1 – O CDS não terá projeto próprio nesta matéria, não só porque a nossa prioridade é a resolução dos difíceis problemas financeiros e económicos de Portugal, como, porque entendemos que há uma lei, a de 2006, que, globalmente, aponta para a PMA como um tratamento contra a infertilidade que pode e deve ser concretizada.


2 – A Direção do Partido tem uma posição negativa sobre projetos de lei que abordam temas sensíveis e sobre valores importantes em sociedade, sem o necessário cuidado técnico e rigor científico.

3 – A Direção do CDS transmitiu aos Deputados do Partido que projetos de lei que pretendam transformar a PMA, não numa opção subsidiária e certificada de tratamento contra a infertilidade, que é um problema que atinge muitos casais – essa sim uma ótica humanista – mas numa prática corrente e generalizada, não contribuem para uma visão equilibrada nesta matéria.

4 – Na exata medida em que a questão da PMA não consta do último Programa Eleitoral do CDS, que foi muito focado na situação de emergência financeira e económica do País, a Direção reconhece o direito de cada Deputado fazer uma avaliação própria dos projetos de lei e agir em conformidade.”

Note-se que no primeiro ponto o partido começa por mentir ao afirmar que a lei da PMA de 2006 trata a infertilidade o que é manifestamente falso porque limita-se a recorrer a uns processos de substituição deixando que a pessoa infértil o continue a ser. Em segundo lugar, mais grave ainda, o partido dá o seu acordo pleno a que tal “lei” deva ser concretizada, com todo o cortejo imenso de vítimas inocentes e eminentemente vulneráveis que isso implica.

No número dois, este partido afirma que a resolução de projectos de lei sobre temas sensíveis e sobre valores importantes para a sociedade passa somente pelo cuidado técnico e pelo rigor científico, ignorando por completo a necessidade da justiça e por isso da ética como critério de discernimento e de decisão. Finalmente no número 4 o cds mostra de novo que é um partido sem princípios, que não cuida do bem-comum, nem tem em conta a verdade, pois concede aos deputados uma avaliação subjectivista dos projectos juntamente com a consequente acção em conformidade. E assim procura lavar as mãos, tentando agradar a gregos e a troianos. Experimente-se aplicar a lógica subjacente a este texto não a pessoas humanas na sua fase embrionária mas a judeus adultos e logo se topará a malícia intrinsecamente perversa desta posição oficial do cds.

Já em 2004 adverti aqui e aqui para a iníqua subversão total dos partidos políticos com assento na Assembleia da República. Os partidos que nos primeiros anos defendiam os valores e princípios inegociáveis, há muito que o deixaram de fazer, embora se apresentem aos eleitores como mais restritivos que os outros mais à esquerda. Mas essa limitação com o tempo tem-se vindo a tornar mais e mais elástica. Claramente se verifica que não passa de uma armadilha para captar o voto dos cristãos e demais homens de boa vontade. E nós, imbecis, temos caído de esparrela em esparrela, e com o intuito de evitar o pior caímos insensivelmente no abismo que queríamos evitar com horror quando era apresentado pelos partidos tidos como mais radicais. O que esses partidos não lograram por si conseguiram-no através daqueles a quem temos vindo a dar o voto.

Ora é tempo de tomarmos consciência de que actualmente há uma só maneira de evitar que isto continue, se queremos ser fiéis à Doutrina do Magistério da Igreja, coerentes com a sua Doutrina Social, consistentes com uma consciência bem formada e acima de tudo obedientes ao Amor devido a Deus e a todos os homens, a quem temos por próximos, a saber, os católicos que andam espalhados pelos partidos actuais cumpliciando-se pelo voto e demais tipos de cooperação devem deixá-los e formar um novo partido credível. Não se trata de fundar um partido Católico ou Cristão mas sim de um partido constituído por Cristãos, Católicos ou não, e demais homens de boa vontade que acolham integralmente os princípios inegociáveis. Tudo o resto é pensar à maneira dos homens e não de Deus.

Já agora e até como complemento ao que escrevi deixem-me sugerir-vos um livro precioso: Giampaolo Crepaldi, Il Cattolico in Politica (manuale per la Ripresa), Prefazione del Cardinale Angelo Bagnasco, Cantagalli, Siena Settembre 2010, 235 pp. O autor é Arcebispo-Bispo de Trieste e Presidente do Obsevatório Internacional Cardeal Van Thuân sobre a Doutrina social da Igreja. É brilhante, claríssimo, conciso, eficaz e corajoso. Depois de ter lido milhares e milhares de páginas sobre a Doutrina social da Igreja posso dizer que nunca encontrei uma síntese tão excelente, tão vibrante e tão urgente como esta. É muito aconselhável não só para políticos mas para todos os católicos.



Nuno Serras Pereira
20. 01. 2012