Bernardo Sanchez da Motta
Há dez anos, seria impensável eu assinar electronicamente o Infovitae, ou ter gosto em ler diariamente as suas notícias e artigos. Então, eu fazia parte de um tipo curioso de católicos, pouco informados e pouco “praticantes” (eu achava que se podia ser católico sem “praticar” o catolicismo). A minha catequese ficara perdida algures a meio da adolescência, interrompida abruptamente logo após o crisma, aos quinze anos de idade. Ainda me recordo bem do primeiro referendo sobre o aborto, altura em que o tema era frequentemente debatido entre amigos, e lembro-me da minha posição juvenil: considerava a maioria dos grupos pró-vida como grupos católicos “conservadores”, “fundamentalistas” ou “radicais”. Eu então achava razoável que se pudesse abortar antes de certo prazo, e achava estranha, artificial e desnecessária a ideia de que, logo após a fecundação, se estaria perante um ser humano completo, pleno de direitos.
Como se vê, eu estava então à mercê dos estereótipos e da linguagem usada pelos media para tentar retratar uma realidade religiosa pouco conhecida da opinião pública através de etiquetas políticas ou sociológicas. A etiqueta “fundamentalista” é especialmente eficaz ainda hoje em dia, uma vez que ninguém bem formado quer ser visto na companhia de “talibãs” católicos.
Eu sentia-me bem nessa posição claramente incoerente. Incoerente, porque eu dizia ser católico enquanto rejeitava, de uma assentada, magotes de noções católicas centrais. A posição era confortável: primeiro, não me dava conta da incoerência; depois, permitia-me insuflar o meu orgulho junto de amigos não católicos, apresentando-me como um “católico progressista”, esse tipo de fantoche brilhante por fora, e atractivo para uma estética modernista, mas oco por dentro. Achava que, mostrando-me como “católico progressista”, iria afastar os fantasmas anticatólicos dos meus amigos sem fé, e assim trazê-los para a Igreja. Dava-me um certo gozo sentir-me numa espécie de “vanguarda católica”, parte integrante daqueles católicos “arejados” que julgam ser a sua opinião mais importante que todo o Magistério com dois mil anos de doutrina e história. Qualquer panfleto do “Nós Somos Igreja” enchia-me de satisfação e de entusiasmo. Qualquer sacerdote que, do seu púlpito, justamente contestasse esse movimento ou outros similares causava-me repulsa e indignação.
Mas talvez o mais confortável dessa minha posição era o aspecto moral: do alto da posição de superioridade em que me colocara, eu sentia-me senhor da minha moral; no fundo, achava-me uma “boa pessoa”, senhor do meu nariz, invocava a “consciência individual” a torto e a direito, sem ter que dar resposta a ninguém do que fazia ou do que não fazia.
No espaço de alguns anos, em virtude de várias circunstâncias, a vida atirou-me desse pedestal abaixo e confrontou-me com a minha incoerência.
E foi assim que, alguns anos mais tarde, dei por mim a gostar de ler o Infovitae e de conversar com católicos que sabem porque o são e que gostam de o ser. Aprendi, com muita ajuda do Infovitae, que um católico é um católico. Assim mesmo, sem etiquetas. Sei que, hoje em dia, as ideias que defendo fazem com que outros mal informados se apressem a colar na minha testa as habituais etiquetas de “conservador”, “fundamentalista”, ou “radical”.
Agora já é tarde demais: tanto me faz a etiqueta. A transformação interior, quando se dá, é quase sempre irreversível. Não falo de perfeição moral: estou no fim da linha nessa matéria. Falo da transformação interior que se sente quando se vê pela primeira vez a luz da Verdade, e se quer logo ir atrás dela. Depois de muitas deambulações por outras doutrinas espirituais, fruto inevitável do meu desinteresse pelo “catolicismo progressista”, regressei finalmente a casa. Foi na Igreja Católica que encontrei finalmente essa luz de Verdade. Essa luz que é Cristo.
O Infovitae jogou um papel muito importante em tudo isto. Através dele, fui recebendo ao longo dos anos os vários reflexos dessa luz, a um ritmo quase diário, o que ajuda à eficácia do processo. Fui limando arestas, deitando fora ideias erradas, descobrindo coisas novas, crescendo em admiração pelo catolicismo, e ganhando forças para as batalhas quotidianas contra o Mal, o mal dentro de mim e o Mal que se quer, desde sempre, apoderar do Mundo e do Homem.
Quando, graças aos abanões fortes do Infovitae, finalmente olho de frente para a porta da Clínica dos Arcos, em Lisboa, antro infecto de crimes infindáveis contra seres humanos indefesos, entendo finalmente porque razão me era tão fácil noutros tempos repudiar os grupos pró-vida. É que ver o aborto como crime iria forçosamente obrigar-me a sentir o peso moral de viver numa sociedade em que se matam seres humanos impunemente. Era claramente mais fácil varrer o problema para debaixo do tapete. Dar-me conta de que o aborto é hoje um crime “legalizado”, praticado na cidade em que vivo, e noutras pelo pais fora, e pago com o dinheiro dos impostos de todos nós, introduziu uma nova e pesada preocupação no meu quotidiano. Mas apesar de tudo, é muito melhor reconhecer que o crime existe, reconhecer a vergonha que ele é, mesmo que eu sinta que quase nada faço para o impedir, do que fazer de conta que não há crime, nem criminosos, nem vítimas.
Finalmente, nesta efeméride dos dez anos do Infovitae, só me resta dizer OBRIGADO A TODOS OS SEUS COLABORADORES! E um obrigado muito especial ao Padre Nuno Serras Pereira, por tudo o que lhe devo.