Nuno Serras Pereira
21. 01. 2009
1. José Sócrates, segundo me garantem, já afirmou, mais do que uma vez, o seu orgulho e o do partido socialista pela liberalização do aborto em Portugal. Está pois satisfeito e vaidoso com o seu contributo e o do resto do partido, considerando-o imprescindível para o alcance desse objectivo conseguido.
Nada mais natural, portanto, que se celebrasse o segundo aniversário do referendo sobre o aborto, a 11 de Fevereiro, colocando em destaque cartazes agigantados, móveis ou não, com uma fotografia da sua cara sorridente e emproada contemplando embevecido um conjunto de fotografias de alguns dos 23 mil bebés nascituros espatifados, decapitados, mutilados ou de qualquer outro modo sanguinariamente mortos ao abrigo da famigerada liberalização. Do outro lado poderia também colocar-se a fotografia de Cavaco Silva observando o resultado da “lei” que ele promulgou. Pois se o fez, só pode ser porque não a considera gravemente injusta e não lhe arrepia admitir e autorizar a matança de inocentes. Poderia ainda figurar-se um conjunto de mães dilaceradas e melancólicas entregues às consequências nefastas para si próprias do acto homicida que perpetraram ou consentiram.
Eu não vejo (mas toda a gente já sabe no mundo inteiro que em Portugal existe o fenómeno estranhíssimo de um padre franciscano que é míope, tem cataratas, glaucoma e que para além disso nem sequer tem olhos), como se possa considerar ofensiva uma mostra como essa que descrevi. Pois se eles se gabam ou pelo menos acham bem, em que pode consistir a desconsideração ou afronta? Está-se simplesmente a mostrar aquilo de que se orgulham. Deveriam pois ficar contentes e agradecer. Mas não. Se há coisa de que podemos ter a certeza absoluta é de que eles não só não querem como ficam apavorados só de imaginar a possibilidade de que tal aconteça.
2. Toda a propaganda feita a favor da liberalização do homicídio/aborto foi-o de maneira a associá-la à liberdade, ao bem, à beleza, à seriedade, à honestidade, ao amor, à misericórdia, ao sentido de responsabilidade e de justiça. E muitos de nós fizemos o favor de não os desmentir escondendo o que eles queriam que permanecesse oculto. Eles construíram uma imagem de suavidade, doçura e mansidão. Parafraseando os salmos, as suas palavras e imagem são mais brandas que a nata, mais suaves que o azeite e mais doces que o mel, trazem, contudo, no coração a hostilidade sendo na verdade espadas desembainhadas ou bisturis afiados. E muitos de nós contribuímos, nem que mais não seja por omissão, para que essa imagem passasse e continuamos a ajudar que ela permaneça.
Por isso eles aparecem como os benfeitores e salvadores e as nossas propostas e intervenções surgem como excentricidades, extravagâncias ou insignificâncias. Somos as sevandijas da sociedade que envergonham inclusive muitos prelados e a que os meios de comunicação social da Igreja, quando não censuram abertamente, mostram um paternalismo confrangedor.
Há que mostrar as coisas tal qual elas são: “Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará” (Jo 8, 32).