João César das Neves
In Diário de Notícias - 12. 01. 2009
Todos se lembram de no Verão passado os jornais assegurarem com absoluta certeza que por esta altura estaríamos com graves carências alimentares mundiais e fome em largas regiões. Passaram poucos meses e a previsão falhou completamente. Não há faltas e os preços caíram para menos de metade. Ninguém parece estranhar a discrepância.
Previsões destas não vêm da realidade. Não resultam de análises científicas, que não existiam, nem sequer dos potenciais esfomeados, pois aos pobres ninguém ouve. Quem gritava eram organizações humanitárias internacionais que, preocupadas com os preços alimentares, usavam os medos da opinião pública para pressionar os governos a subir-lhes o orçamento. Com a descida posterior dos preços o cenário catastrófico pôde ser arquivado. Outros interesses passaram a ocupar os media.
Tantos se assustaram tanto, todos acusaram os responsáveis, para agora tais temores estarem esquecidos. Mas os críticos não se sentem aliviados. Limitaram-se a mudar de susto, baseados nas novas previsões de catástrofe que os mesmos jornais trazem. Aliás, até culpam os mesmos políticos pelos novos terrores antecipados.
O mais curioso é que, apesar de falharem redondamente, os meios informativos não perdem credibilidade. São as mesmas publicações, os mesmos especialistas e comentadores que agora assustam o mundo com novas antevisões de calamidade, granjeando a adesão e convencimento de sempre. O que quer que digam, a gente acredita. Quando a crise se mostrar menos grave que os pânicos apregoados, ninguém desconfiará de quem os divulgou e esperarão com ansiedade os novos oráculos.
Afirmamos viver na "era da informação" e é verdade. Mas seria bom considerar a relevância da comunicação. Pensando bem, sobre as coisas que realmente interessam, sabemos menos que os nossos antepassados. Antigamente vivia-se na aldeia e todos conheciam tudo sobre todos. As casas tinham portas abertas e paróquia, botica ou barbeiro eram excelentes meios noticiosos. Hoje, com o anonimato urbano e privacidade escrupulosa, o nosso conhecimento é mínimo sobre o que nos afecta directamente. Mas sabemos imenso sobre coisas irrelevantes. Guerras e eleições longínquas, intrigas e conspirações mirabolantes e vasto sortido de desastres e calamidades constituem a dieta informativa quotidiana. Pensando bem, essas coisas não valem mesmo nada para a nossa vida.
O presidente americano tem muito menos influência na nossa existência que o presidente da Junta de Freguesia, mas vibrámos meses com a eleição de Obama e ignoramos até o nome do autarca local. Depois inventamos ficções, como a tese da "aldeia global", para justificar a nossa preferência informativa.
O motivo deste enviezamento é óbvio: a campanha do outro lado do Atlântico é muito mais divertida que a rotina prosaica. O nosso interesse pela informação não vem da necessidade de conhecimento, mas de um desejo lúdico. A realidade é profundamente rotineira, exigente, complicada, maçadora. Por isso desde as origens da raça humana foi grande a popularidade de mitos, epopeias, aventuras e romances. Mas esses tinham o defeito de serem fictícios. A era da informação, globalizando o âmbito, resolveu o dilema. Há sempre qualquer coisa interessante a acontecer no mundo. Os noticiários são reais e ao mesmo tempo fascinantes, com emoção, seriedade e violência. Apesar de, em geral, serem totalmente irrelevantes para nós.
A notícia não é ilusão, mas também não constitui conhecimento útil, porque distante. Mas, ao discutir esses magnos problemas planetários, cada um sente-se sábio e importante. No nosso sofá parece-nos, de alguma maneira, participar nesses assuntos grandiosos e decisivos.
Isso leva a mal-entendidos. No Verão passado todos sentimos a discrepância entre o preço pago na bomba de gasolina e o que os jornais diziam sobre o custo do barril de brent. Muitos protestaram e acusaram, mas sem notar que o primeiro era um valor directo, real, influente, enquanto o outro era um índice remoto, abstracto, efectivamente irrelevante.