domingo, 4 de abril de 2010

Não se vê, não se ouve, logo não importa


1. Na distância dos seus paços episcopais ou claustrais um número significativo de Bispos e outros Prelados, em vários países, ouviu falar em abusos sexuais ou físicos de menores, ou teve diante de si sacerdotes ou religiosos abusadores, provavelmente em lágrimas, ou pelo menos com ares de arrependimento, talvez rodeados de um ou outro confrade intercedendo por eles. Todo o drama desses pecadores e criminosos, pintado diante deles com as fortes emoções que essas ocasiões trazem em si, concentrava-os nesses desgraçados, ou seja, nesses despojados da Graça de Deus, procurando dar-lhes remédio como a vítimas dos seus próprios pecados horrendos. Havia porém “algo” que eles não viam, nem ouviam e, por isso, o esqueciam facilmente, não lhe dando a importância nem a atenção devidas. Esse “algo” não era uma abstracção, nem coisas vagas, eram rostos concretos de crianças e jovens corrompidos, violentados, eram miúdos aterrorizados, desalmados por esses vampiros que lhes sugavam as almas cândidas e brutalizavam os seus corpos inocentes, eram as verdadeiras vítimas.

Deste ver e ouvir a não ver nem ouvir depende muito a reacção, ou a falta dela. Verificamos isto mesmo, nos dias de hoje, na questão do aborto provocado. Toda a atenção, também nos meios eclesiais, vai em geral para as mães que mataram seus filhos concebidos antes de nascerem e para aqueles que com elas cooperaram. As crianças, porém, que foram escangalhadas, esquartejadas, incineradas ou lançadas ao lixo são não existentes, não pessoas, material descartável. O drama dos pais ou das mães, quando verdadeiramente existe, é patente a todos, a vítima, todavia, nem é vista nem ouvida e por isso não importa, é uma abstracção, coisa vaga. Daí que mesmo entre Bispos e Padres se faça mais por uma pessoa visível do que por dez mil “escondidas”. A energia formidável que a Igreja, em Portugal, põe ao serviço dos pobres e necessitados é imensamente maior do que aquela que emprega no combate ao aborto - mesmo considerando que o combate à pobreza e a sua actividade pastoral já têm algum efeito dissuasor e preventivo do homicídio/aborto. E, no entanto, as vítimas deste são imensamente mais numerosas e mais injustamente abusadas do que quaisquer outras.

2. Importa também recordar, embora isto, como no caso anterior, não sirva de desculpa, que se em plena revolução sexual e anos seguintes algum Prelado reduzisse ao estado laical um Sacerdote ou Religioso por causa de trato carnal com adolescentes ou jovens, e mesmo com crianças[1], seria posto a ridículo na comunicação social, tido como puritano e rigorista, representante de uma moral opressiva, antiquada e malsã. Quem não se recorda das reivindicações, mesmo dentro da Igreja, a favor da abolição da moral sexual católica (e da moral sexual natural) acusada então de repressora e causadora das maiores neuroses, histerismo,s complexos e psicoses? Este mundo que agora furibundo arremete contra a Igreja e o Santo Padre é o mesmo que há alguns anos se assanhava e rugia bramidos tremendos contra o Magistério da Igreja por não se adequar e adaptar à liberdade irrestrita e desinibida do sexo sem freio.

3. Muitos dos Prelados responsáveis, no caso irresponsáveis, acreditaram de boa fé que a psicologia e a psiquiatria poderiam tratar os predadores de modo a torná-los inofensivos. Essa confiança ingénua nos tratamentos e nos terapeutas deu péssimos resultados. Foi por seu conselho, com honrosas excepções, que muitos dos Pastores consideraram “curados” os abusadores deixando-os voltar à sua vida habitual.

Muitos desses Pastores não cuidaram de verificar se a antropologia que subjazia a esses princípios terapêuticos eram conformes ou não com a cristã; não perceberam que alguns dos “tratamentos” eram imorais e só contribuiriam para agravar o problema. Mas talvez mais grave que tudo isso foi não entenderem a dimensão idolátrica do “culto” assim prestado aos novos salvadores. Numa transição quase imperceptível passaram a deixar de considerar os abusos com um grave pecado passando a vê-los puramente como um doença de ordem psíquica. Deste mosdo subestimaram a omnipotência do poder Redentor de Jesus Cristo, o único Salvador. Consequentemente descuidaram o chamamento ao arrependimento, ao propósito de emenda, ao abandono das ocasiões de queda, à conversão, à reparação do mal cometido através de uma vida de oração, de penitência e de ascese exigentes, e aos demais meios que a Igreja dispõe para salvar as almas, entre os quais se contam as penas previstas no Direito Canónico. Não desprezando algum auxílio psico-terapêutico os Prelados teriam feito melhor, se queriam recuperar os abusadores, em proporcionar-lhes um ambiente onde fossem educados na mortificação dos sentidos, no jejum, na oração; isolados de qualquer menor a quem pudessem agredir e impedidos de acesso à televisão, à Internet, a revistas banais e a telefonemas a não ser se supervisionados por responsáveis competentes e capazes.


Nuno Serras Pereira

04. 04. 2010


[1] Algumas indicações e bibliografia na parte II de O que é a APF: http://jesus-logos.blogspot.com/search?q=APF