quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Dez por Cento - Nuno Serras Pereira

O meu avô materno, varão aristocrata e opulento, casado com uma das filhas abastadas do fundador da casa Ramos-Pinto – na família assim constituída se reuniram várias empresas de vinhos: a Real Companhia Vinícola, a Rebelo Valente, a Villar D’ Allen e a já referida Ramos-Pinto (falta uma outra que agora não recordo) -, teve uma juventude aventureira e algo desbragada. Mas aquele Senhor todo Ele benigno cuja Omnipotência se mostra sobretudo na Sua misericórdia e no Seu perdão saiu-lhe inesperadamente ao encontro. Esse acontecimento transfigurou inteiramente a sua vida. De escravo de satanás tornou-se discípulo e seguidor fiel de Jesus Cristo. O menino rico transformou-se num seguidor de S. Francisco, de Assis, membro e ministro da Ordem Franciscana Secular, entregando-se com determinação e constância ao anúncio do Evangelho, bem antes do Vaticano II, quer pela pregação, inclusive a seminaristas, quer pela divulgação, por escrito, de meditações, conselhos e orações, tornando-se benfeitor de várias Ordens Religiosas, particularmente as que se dedicavam aos pobres e à recuperação de marginais tais como, por exemplo, a reabilitação de prostitutas, bem como da Diocese do Porto. Todos os anos começava por doar dez por cento dos rendimentos familiares às obras de misericórdia. No entanto, o ardor impetuoso da sua caridade não se detinha nessa percentagem mas continuava a espargir, num crescendo, tantas vezes pessoalmente, os bens que lhe tinham calhado, por fortuna ou por indústria própria. E embora, por vezes, fosse enganado por vigaristas inimigos dos indigentes que se disfarçavam de pobres, persistia perseverantemente no seu bem-fazer. Nisto revelou-se um magnífico investidor, uma vez que aquilo que se dá aos necessitados é recebido pelo próprio Deus, sendo riqueza acumulado nos Céus para proveito eterno dos generosos. De facto, só teremos aquilo que damos; o avarento será despedido de mãos vazias. A maioria da família, todavia, não só não entendia como troçava, contando-me eu entre eles, desta bondade beata. Os desígnios de Deus eram-nos incompreensíveis e, de algum modo, detestáveis.


Minha mãe herdou de seu pai este dever de esmolar, pelo menos, dez por cento dos rendimentos auferidos e meu pai, por natureza um mãos largas, sobreabundou nessas dádivas. Não obstante as dificuldades que advieram no seguimento do 25 de Abril com o saneamento de meu pai e todos os demais estorvos surgidos nos períodos dos excessos revolucionários a prática manteve-se, apesar do comedimento em função da poupança, na família.

Nos tempos difíceis por que passamos em Portugal pareceu-me que devia contar aquilo que em circunstâncias normais porventura nunca me atreveria a desvendar – “Não saiba a tua mão direita, aquilo que faz a tua esquerda”.

O Senhor garante àqueles que o seguem e que por Seu amor partilham seus bens com os mais necessitados que nesta vida receberão cem vezes mais e no mundo que há-de vir a vida eterna. Há, porventura, aí algum cristão que não se fie do Senhor Seu Deus? Se, desventuradamente, o há é, então, porque não o é.

A multidão dos necessitados é imensa mas importará não esquecer que os mais indigentes são aqueles que não conhecem Jesus Cristo nem, por consequência, O amam a Ele mesmo nem à Sua Igreja; e ainda as crianças nascituras, eminentemente vulneráveis e indefesas, com as quais Ele se identificou ao dizer: O que fizestes aos Meu irmãos mais pequeno a Mim mesmo o fizeste; e o que deixaste de fazer por ele a Mim mesmo o deixaste de fazer; ama-Me neles, pois é n´Eles que principalmente quero ser amado.

07. 11. 2012