O meu avô materno, varão aristocrata
e opulento, casado com uma das filhas abastadas do fundador da casa Ramos-Pinto
– na família assim constituída se reuniram várias empresas de vinhos: a Real
Companhia Vinícola, a Rebelo Valente, a Villar D’ Allen e a já referida Ramos-Pinto
(falta uma outra que agora não recordo) -, teve uma juventude aventureira e
algo desbragada. Mas aquele Senhor todo Ele benigno cuja Omnipotência se mostra
sobretudo na Sua misericórdia e no Seu perdão saiu-lhe inesperadamente ao
encontro. Esse acontecimento transfigurou inteiramente a sua vida. De escravo
de satanás tornou-se discípulo e seguidor fiel de Jesus Cristo. O menino rico
transformou-se num seguidor de S. Francisco, de Assis, membro e ministro da
Ordem Franciscana Secular, entregando-se com determinação e constância ao anúncio
do Evangelho, bem antes do Vaticano II, quer pela pregação, inclusive a
seminaristas, quer pela divulgação, por escrito, de meditações, conselhos e
orações, tornando-se benfeitor de várias Ordens Religiosas, particularmente as
que se dedicavam aos pobres e à recuperação de marginais tais como, por
exemplo, a reabilitação de prostitutas, bem como da Diocese do Porto. Todos os
anos começava por doar dez por cento dos rendimentos familiares às obras de misericórdia.
No entanto, o ardor impetuoso da sua caridade não se detinha nessa percentagem
mas continuava a espargir, num crescendo, tantas vezes pessoalmente, os bens
que lhe tinham calhado, por fortuna ou por indústria própria. E embora, por
vezes, fosse enganado por vigaristas inimigos dos indigentes que se disfarçavam
de pobres, persistia perseverantemente no seu bem-fazer. Nisto revelou-se um
magnífico investidor, uma vez que aquilo que se dá aos necessitados é recebido
pelo próprio Deus, sendo riqueza acumulado nos Céus para proveito eterno dos
generosos. De facto, só teremos aquilo que damos; o avarento será despedido de
mãos vazias. A maioria da família, todavia, não só não entendia como troçava,
contando-me eu entre eles, desta bondade beata. Os desígnios de Deus eram-nos
incompreensíveis e, de algum modo, detestáveis.
Minha mãe herdou de seu pai este
dever de esmolar, pelo menos, dez por cento dos rendimentos auferidos e meu
pai, por natureza um mãos largas, sobreabundou nessas dádivas. Não obstante as
dificuldades que advieram no seguimento do 25 de Abril com o saneamento de meu
pai e todos os demais estorvos surgidos nos períodos dos excessos revolucionários
a prática manteve-se, apesar do comedimento em função da poupança, na família.
Nos tempos difíceis por que
passamos em Portugal pareceu-me que devia contar aquilo que em circunstâncias
normais porventura nunca me atreveria a desvendar – “Não saiba a tua mão
direita, aquilo que faz a tua esquerda”.
O Senhor garante àqueles que o seguem
e que por Seu amor partilham seus bens com os mais necessitados que nesta vida
receberão cem vezes mais e no mundo que há-de vir a vida eterna. Há,
porventura, aí algum cristão que não se fie do Senhor Seu Deus? Se,
desventuradamente, o há é, então, porque não o é.
A multidão dos necessitados é
imensa mas importará não esquecer que os mais indigentes são aqueles que não
conhecem Jesus Cristo nem, por consequência, O amam a Ele mesmo nem à Sua
Igreja; e ainda as crianças nascituras, eminentemente vulneráveis e indefesas,
com as quais Ele se identificou ao dizer: O que fizestes aos Meu irmãos mais
pequeno a Mim mesmo o fizeste; e o que deixaste de fazer por ele a Mim mesmo o deixaste
de fazer; ama-Me neles, pois é n´Eles que principalmente quero ser amado.
07. 11. 2012