Ainda não há muito o governo ... e o partido ... que o sustenta juravam a pés juntos e proclamavam-no aos quatro ventos que o aborto provocado não era um homicídio porque ninguém era morto. Tratava-se, isso sim, de arrancar uma coisa das entranhas da mulher tendo em vista o seu bem, a sua felicidade, a sua realização. A coisa funesta tinha-se ali alojado, não se sabe porque artes mágicas, contra o consentimento da mulher. Assistia-lhe por isso o direito de expelir aquela conglomeração tumoral como quem evacua asquerosas sevandijas peçonhentas. A mulher nesse estado não era mãe e ninguém podia obrigá-la a sê-lo constrangendo-a a prosseguir com a gravidez imunda. Permanece um enigma insondável, que nunca quiseram esclarecer, como é que uma substância tão pútrida merecedora da mais veemente abominação se viria a transformar num filho, isto é, em alguém, num ser humano, numa pessoa.
Hoje, no entanto, segundo a edição online do jornal O Sol foi publicado em Diário da República um decreto-lei do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, segundo o qual será pago um subsídio de maternidade à mãe que “interrompa voluntariamente a gravidez” num período que varia entre os 14 e os 30 dias.
Se assim é só poderemos concluir que ou o governo entende que a mulher grávida que aborta, por esse mesmo facto, se transforma subitamente em mãe ou reconhece que andou a mentir aos portugueses durante toda a campanha do referendo sobre o aborto, pois sempre soube muito bem que a mulher grávida, pelo facto de o estar, é já mãe e que por consequência traz dentro de si, sob o seu coração, um ser humano por ela gerado, uma criança nascitura, um filho que só pôde surgir porque ela se entregou livremente àquele acto que de sua própria natureza é finalizado à geração.
De modo que em Portugal o Estado não só trucida os filhos das mães grávidas que o queiram mas também as recompensa e premeia com a justificação de estar a tomar medidas de incentivo à natalidade.
A ser verdade que houve mães grávidas que desde a entrada em vigor desta lei já abortaram por três vezes, como os jornais noticiam, temos que estas heroínas nacionais, paradigma do verdadeiro feminismo gozarão de, pelo menos, 90 dias de férias regaladas.
Não se pense porém, de modo algum, que se trata de sanguinários ou que o Estado é tirano e que vivemos num substancial totalitarismo. Isso é uma grave falta de caridade, revela um juízo temerário e uma consciência sórdida e soez. Unamo-nos antes num coro harmonioso entoando com júbilo: são tão queridos os nossos governantes! É tão excelsa a nossa democracia! Que bom que todo o poder lhes tenha sido dado! A eles a honra, a glória e o poder! Mantenhamo-los com os nossos votos em seus cargos! Rejubilemos com o seu discernimento! Ponhamo-los a pregar nas nossas Igrejas e embeveçamo-nos com os seus ensinamentos!
Nuno Serras Pereira
25 de Junho de 2008