quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Um Amor Infinito

No livro do profeta Isaías queixa-se Sião, que representa cada um de nós, que o Senhor a abandonou e esqueceu. A esta acusação injusta responde Deus, numa das passagens mais belas da Sagrada Escritura, perguntando: “Pode uma mulher … não ter amor pelo filho das suas entranhas [do seu útero]? 1” Segundo São João Cassiano não encontrando Deus na criação uma disposição de amor que pudesse comparar ao Seu assemelha-o, não obstante, ao de uma mãe por seu filho, uma vez que nada descobre na natureza de mais parecido. A interrogação do Senhor parece soar como uma afirmação categórica, como alguém que dissesse: é impossível que uma mãe não ame o filho que gerou e traz em si; é contra natura. Mas, em seguida, como caindo em Si, logo Se recorda que os impossíveis do Seu desígnio da criação se tornaram possíveis pelo pecado do homem (varão e mulher) instigado pelo Maligno, e logo adianta: “mesmo que ela o possa esquecer Eu nunca te esquecerei. Eu gravei-te nas palmas das Minhas mãos … ” 2.

Aquando da redacção do livro profeta Isaías esta possibilidade de abandono e esquecimento era uma excepção reconhecida por todos como um cúmulo de horror, uma desumanidade cruel. Não assim, bem o sabemos, nos dias de hoje. O abandono, ou melhor, a decisão de matança dos filhos por parte das mães grávidas tornou-se uma coisa dada como normal, mesmo como boa. O homicídio na forma de aborto, quer mecânico quer químico quer cirúrgico, trivializou-se de tal maneira que podemos afirmar, sem receio de contraditório credível, que em muitas nações do mundo as mães que nunca estiveram envolvidas na morte provocada de seus filhos concebidos impedidos de nascer são a minoria.

Quem poderá avaliar a injustiça imensa da multidão incontável de filhos escorraçados violentamente do seio de quem os deveria amar, proteger e nutrir? Quem os compensará de um destino produzido por uma tirania tão feroz? É consolador saber que cada um deles escutará, lá onde está: “Eu nunca te esquecerei. Gravei-te nas palmas das Minhas mãos”. Será reconfortante saber que a Mãe Igreja não os deslembra mas, pelo contrário, quotidianamente os confia à Misericórdia Divina.

São as mãos desta Misericórdia infinita que foram trespassadas pelos nossos pecados na Cruz salvadora. Este Deus que nos imprimiu em Suas mãos fez-Se homem em Jesus Cristo e padeceu a brutal aversão que por Ele e por nós próprios tínhamos a ponto de querermos nos desgravar de Suas mãos através dos cravos com que as perfurámos. Mas esse ódio com que O golpeámos não fez mais do que nos esculpir mais profundamente n’ Ele até ao mais íntimo do Seu coração do qual brotou abundante o sangue e a água que nos purificam e redimem. Esta é a palavra de Esperança, a notícia salvífica para todas as mães com responsabilidade na morte de seus filhos. Este Senhor, manso e benigno, que venceu o pecado e a morte não vos esquece nem vos abandona apesar de d’ Ele terdes fugido. Pelo contrário, sempre vos está dizendo: “Vinde a Mim todos os que estais … oprimidos … [por vossos pecados] que Eu vos aliviarei” 3 pois nunca vos esqueci; gravei-vos nas palmas das Minhas mãos, imprimi-vos no Meu coração. “Arrependei-vos … e convertei-vos, para que os vossos pecados sejam apagados” 4.

Nuno Serras Pereira
05. 03. 2008

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1 Is 49, 15
2 Is 49, 15-16
3 Mt 11, 28
4 Act 3, 19