Entrevista da agência Zenit a Pe. Nuno Serras Pereira, liderança do movimento pró-vida no país (Dada a 24 de Janeiro de 2007 e publicada a 4 e 5 de Fevereiro de 2007)
LISBOA, domingo, 4 de Fevereiro de 2007 - «A oração e o sacrifício dos fracos, dos pequenos, dos humildes, das crianças, dos doentes, dos atribulados, dos pobres são a nossa força mais poderosa» na luta em defesa da vida.
Quem fala é o Pe. Nuno Serras Pereira, sacerdote franciscano, escritor e uma das lideranças mais expressivas do movimento em defesa da vida, em Portugal, como pensador e militante pró-vida.
Nesta entrevista, concedida ao professor e jornalista Hermes Rodrigues Nery (Coordenador da Comissão Diocesana em Defesa da Vida e do Movimento Legislação e Vida, da Diocese de Taubaté), Pe. Nuno Serras Pereira reflete temas relevantes sobre o contexto pró-vida na atualidade, especialmente em Portugal, no período que antecede o referendo sobre o aborto, que acontecerá em 11 de fevereiro.
1. Em meio às grandes ameaças de hoje contra a família e a dignidade da vida, com os inúmeros ataques que buscam derruir o sentido e o valor da pessoa humana, o senhor publicou o livro "O Triunfo da Vida", cujo título expressa forte esperança de que o combate em favor da vida não apenas não é uma batalha sisífica, mas - o que é importante - trata-se de um combate espiritual cuja vitória sem dúvida será o da cultura da vida sobre a cultura da morte. Nesse sentido a sua obra (e sua ação pastoral) reforça sua fé no cristianismo como fermento permanente da vida, perspectiva sempre promissora da salvação de todos. Como o senhor vivencia esta esperança diante dos desafios atuais?
Como a Revelação nos ensina, só em Jesus Cristo é que somos salvos. Pela Sua Ressurreição Ele triunfou, de uma vez para sempre, do pecado e da morte. Por isso, é preciso tornar presente essa vitória, anunciando, celebrando e testemunhando o Evangelho da vida, sem medo, nem ambiguidades, nem concessões. A Verdade celebrada, proclamada e vivida derruba todas as muralhas de egoísmo, de mentira, de destruição e de ódio - como nos ensina a narrativa sobre a conquista de Jericó. O poder de vida e de amor que brota da Paixão Redentora de Cristo é infinitamente maior do que as forças avassaladoras da fragmentação e da morte.
2. A defesa da família e da vida humana é hoje uma causa urgente, de exigências cada vez mais intensas, que envolve a necessidade de informação e aprofundamento dos temas bioéticos, como também de recursos financeiros (sempre exíguos) e meios para uma ação conjunta, coordenada, com política de não-violência e que seja realmente eficaz. Tudo isso demanda esforços e apoios, mas o tempo corre veloz, não sendo mais possível enfrentar a problemática por métodos tradicionais, diante de situações que se tornaram muito complexas. E então? O que fazer? O senhor poderia pontuar alguns procedimentos indispensáveis para o êxito de uma ação pró-vida diante dos atuais desafios existentes?
Perante os meios poderosos de desinformação e propaganda e tendo em conta a dimensão gigantesca dos ataques à vida e à família creio que é necessária uma formação urgente dos responsáveis da Pastoral na Igreja para que estes temas estivessem habitualmente presentes na catequese, nas homilias, na reflexão dos movimentos eclesiais, em retiros, na preparação para o matrimónio, etc. Parece-me que os tempos de ingenuidade e de falsas aberturas ao mundo têm de acabar. A consciência forte de uma identidade católica e a comunhão e obediência ao Magistério da Igreja são essenciais quer para o diálogo ad extra, quer para a Nova Evangelização. Só essa cultura verdadeiramente católica é que poderá gerar leigos que, nas várias profissões, na política, na cultura, etc., sejam agentes de transformação e transfiguração do mundo.
3. Há iniciativas (de indivíduos e instituições, organismos da sociedade civil e até mesmo do poder público) que buscam convergir ações conjuntas em favor da vida. Mas ainda são iniciativas insuficientes e nem sempre com resultados capazes de fazer contraponto à lógica e á mentalidade anti-vida que prevalece, especialmente nos países ricos. A Igreja é chamada a ser "sinal de contradição", mas também se sente apreensiva e até mesmo tímida na ação. Com que forças a Igreja pode contar para fazer frente a tão grandes demandas?
A oração e o sacrifício dos fracos, dos pequenos, dos humildes, das crianças, dos doentes, dos atribulados, dos pobres são a nossa força mais poderosa. Depois, haverá sempre a necessidade da relação interpessoal e o testemunho continuado da ajuda concreta a quem dela precise neste campo. É preciso também não procurar o sucesso, a honra e a fama, e não ter medo de passar por louco aos olhos do mundo. É o “sinal de contradição” que acaba por gerar a comunhão. O mundo para se converter precisa de ter a certeza que acreditamos mesmo na verdade que anunciamos, e a sua aversão só se transformará em conversão se permanecermos no amor.
4. Como evitar a avalanche de falsos valores que vão estendendo a mentalidade anti-vida por toda a parte, corroendo assim lentamente a tessitura social, como percebemos pelas explosões de violências (em todos os níveis) por toda a parte? Como agir em meio a toda esta situação, em conformidade com o espírito do Evangelho, e à realidade que aí está, sem se deixar impregnar pelo utilitarismo, ceticismo, relativismo e todos os demais ismos que caracterizam a pós-modernidade, nesta espécie de globalização que se volta contra a humanidade?
Todos esses anti-valores que atacam a humanidade do próprio homem têm ultimamente origem “naquele que é homicida desde o princípio” que “é mentiroso e pai da mentira”, como nos diz Cristo no Evangelho de S. João. Na celebração dos sacramentos encontramos o próprio Cristo que nos purifica, fortalece e une a Si, tornando possível a resistência e a vitória sobre o Maligno. Toda a pessoa humana que injustamente a nós se opõe, na medida em que testemunhamos a verdade (já que pode haver uma justa oposição devida às nossa limitações e pecados), ultimamente, sem disso se aperceber, está-nos pedindo auxílio, socorro, libertação. Daí que, como dizia Stº Agostinho, importa muito distinguir o erro ou o pecado, da pessoa do pecador. Nós ao atacarmos o erro e o pecado da pessoa, a ela nos estamos a aliar para redimi-la da escravidão em que se encontra. A pertença a Cristo e à Igreja, vivida numa experiência comunitária de amizade e inter-ajuda fraterna cria um caldo de cultura sã que, evitando a contaminação, tende a irradiar formas de pensar e actuar salutares.
5. Fale-nos da sua experiência como pensador e ativista pró-vida. Como começou o seu trabalho de cristão militante em defesa da vida?
A minha preocupação com este assunto começou, salvo erro, em 1976 ou 77 com as primeiras investidas abortistas em Portugal, dois anos depois da Revolução de Abril. Nos anos de 1982 a 1984, já entrado no Seminário Franciscano, comecei a estudar mais o assunto. A encíclica O Evangelho da vida, do Papa João Paulo II, em 1995, constituiu para mim um marco extraordinário, pela sua beleza, pela sua força, pela capacidade de mobilização que imprimia, pela clareza doutrinal, pelo desassombro. Li e reli tantas vezes esse texto singular que posso dizer que o mastiguei e engoli! Foi nessa altura que aperfeiçoei uma oração que tinha composto em 1984 e que é conhecida em Portugal por Oração pela Vida ou oração da Nossa Senhora do Ó. Até hoje já foram distribuídas, em Portugal, um milhão e meio dessas orações. Estudei também diversos comentários a essa encíclica e desde então não deixei de aprofundar sempre cada vez mais esses temas acompanhando, até hoje, a bibliografia que vai saindo. Mais tarde entre 1996 e 1998 devido às novas investidas abortistas envolvi-me, já sacerdote, quase a tempo inteiro, em ligação com vários grupos de leigos formidáveis, dados à oração e à acção. Em Fevereiro de 1997 publiquei um livrinho, intitulado “Toda a Vida Pede Amor”. Nele procurei fazer um forte apelo à oração e à acção, sintetizando e salientando alguns aspectos da encíclica do Papa João Paulo II. Foi em 1998 que a minha mãe ao ver-me tão empenhado nestes combates me disse uma coisa que desconhecia. Quando estava grávida de mim, eu sou o quarto de sete filhos, ela e meu pai foram pressionados para que eu fosse abortado… Poder-se-á explicar com esta ameaça experimentada no seio materno a minha dedicação a este campo de apostolado? Talvez em parte. Mas creio que antes disso se deve colocar a graça que Deus me tem concedido de entender a gravidade do que se passa e de contribuir com o que posso para lhe pôr remédio. Não é nada agradável estar continuamente observando e estudando as realidades da anti-cultura da morte para as denunciar e lhes dar resposta. De qualquer modo, isso obrigou-me a estudar filosofia do Direito, filosofia política, filosofia e teologia moral e bioética. Mas do que eu gosto mesmo é de teologia fundamental e sistemática, teologia bíblica, espiritualidade e literatura. Se pudesse era tão só a isso que me dedicava. Mas não posso. Quereria de algum modo descansar destas guerras, porém até agora não consegui, nem sei se algum dia conseguirei. O que se passa é mesmo demasiado grave para que alguém lhe possa ser alheio.
Em 1999 iniciei um boletim electrónico, Infovitae, composto de artigos e notícias respigados na Internet para ajudar a consciencializar e manter informados os seus leitores. Os textos que tenho escrito desde então foram publicados, em Junho de 2006, no livro que já referiu “O Triunfo da Vida”.
6. O senhor poderia nos diagnosticar a situação de Portugal em relação à defesa da vida, especialmente no período entre o referendo de 1998 sobre a legalização do aborto e o que irá acontecer no próximo dia 11 de fevereiro, quando os portugueses serão novamente chamados a se posicionar sobre esse tema? Por que essa questão voltou ao debate nacional? Quais os interesses em jogo?
A mobilização dos pró vida para o referendo de 1998 não acabou com este mas resultou num empenhamento continuado, com o apoio da Igreja, que se verificou num aumento substancial de associações de ajuda às mães grávidas em dificuldade e de auxílio às crianças abandonadas. Por outro lado, criou-se a Federação Portuguesa pela Vida que agrega a maior parte dos pró vida. Apostou-se ainda na política com alguns deputados corajosos que foram muito activos no parlamento. Apesar de todo o trabalho heróico desenvolvido por tantos sofremos graves revezes ao longo destes anos. Desde logo, a introdução da chamada “educação sexual nas escolas” dominada quase exclusivamente
pela APF que é a filial portuguesa da IPPF; a seguir um aumento exponencial da contracepção; depois a introdução da “pílula do dia seguinte”; em quarto lugar, todos os partidos políticos do Parlamento, pela primeira vez na nossa história, manifestaram o seu acordo com a legalização do aborto em 1984, e seus sucessivos acrescentos, aprovando uma resolução para que essa lei iníqua fosse efectivamente cumprida; finalmente a aprovação de uma lei de reprodução artificial absolutamente desastrosa. É muito preocupante que em todos estes casos houvesse políticos e médicos católicos, praticantes (!), responsáveis pelo que sucedeu. Pode-se dizer, sem medo de errar, que se não tivesse havido, ao longo do tempo, a cumplicidade de católicos não teríamos a anti-cultura da morte que hoje temos em Portugal.
«O aborto já é lícito, em Portugal, quando tem o consentimento da mulher grávida e é justificado: por razões "de morte, ou de grave e duradoira ou irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida"; por razão de "grave doença ou malformação congénita" do feto; por inviabilidade de vida do feto; por razão de gravidez resultante de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual da mulher. Os prazos variam: conforme os casos, podem ser de 12 ou 24 semanas, ou até sem prazo. Mas são sempre prazos praticamente operativos - por exemplo, no caso de "constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida", não tem prazo.» (Prof. Mário Pinto).
O que agora se pretende com este novo referendo é alcançar a liberalização total do aborto até às dez semanas e, quer ganhem ou percam o referendo, criar uma mentalidade que admita sem resistência a abertura de “clínicas” privadas, convencionadas com o Estado, para praticarem o aborto. Mesmo que não ganhem o referendo, com a simples abertura dessas clínicas conseguirão o aborto livre até ao nascimento, invocando a saúde psíquica, como já acontece em Espanha, que tem uma lei praticamente igual à nossa.
Há grandes interesses políticos, económicos e ideológicos, muitos deles capitaneados pela APF/IPPF, que nunca deixaram que este tema esmorecesse e que nunca desistirão até alcançarem o que querem.
7. Quais as expectativas dos movimentos em defesa da vida nesse momento histórico, que antecede o referendo de 11 de fevereiro?
Com os olhos postos em Deus e confiados na intercessão da Santíssima Virgem Maria combatem o bom combate, na Esperança que o Não ao aborto ganhe o referendo e seja ponto de partida para novos triunfos da vida. Providencialmente o referendo foi marcado para o dia de Nossa Senhora de Lurdes, e em peregrinação a Fátima fomos pedir à Mãe, que é a mesma, que nos conduza e nos ampare.
8. Como tem sido a atuação da Igreja em Portugal, nesse período, especialmente o envolvimento dos padres e bispos na causa da vida?
Eu creio que nós, como Igreja, temos graves culpas e que devíamos fazer uma acção de penitência pública pedindo perdão a Deus por elas. É demasiado fácil acusar um passado que mal conhecemos e que não vivemos, e ignorarmos os nossos próprios pecados. Para dar um só exemplo, basta referir que em nome de ideologias “pastorais” se profana a Santíssima Eucaristia, com gravíssimo escândalo público, admitindo à Sagrada Comunhão políticos e outras figuras conhecidas, que pública e obstinadamente fazem campanha por e votam leis que admitem o aborto.
Felizmente, o Conselho Permanente da Conferência Episcopal foi muito claro ao afirmar com todas as letras que os católicos “devem votar não”. Também o Senhor Cardeal Patriarca advertiu que a doutrina da Igreja “obriga em consciência todos os católicos”. Tem-se assistido, geralmente falando, a um empenho sério, determinado e constante dos Senhores bispos e dos sacerdotes. Mas o mais impressionante ainda é assistir a uma enorme mobilização dos fiéis leigos como há muitas décadas não se via em Portugal. Como escrevi num texto recente, a propósito deles, “são inúmeros os membros da resistência de quem nos devíamos aproximar com uma reverência semelhante à de Moisés diante da sarça-ardente. Neles, não obstante as suas fragilidades de barro, torna-se verdadeiramente presente Aquele que disse: Eu Sou Aquele que Sou – para vós; operando prodígios que confundem os adversários”.
9. Que grupos da sociedade civil e até de outras igrejas tem sido relevantes nesse processo, na atualidade?
São às dezenas os grupos e associações da sociedade civil que trabalham no terreno e na Internet com sítios e blogues. Quinze deles constituíram-se em movimentos cívicos para poderem ter tempo de antena na comunicação social aquando da campanha para o referendo. É de salientar o forte, generoso e dedicado empenho dos nossos irmãos Evangélicos.
10. O Papa Bento XVI, em sua encíclica "Deus Caritas Est" afirmou que "quem reza não desperdiça o seu tempo, mesmo quando a situação apresenta todas as características duma emergência e parece impelir unicamente para a ação". Qual o papel da oração no bom combate em favor da vida?
Desde sempre que o número 100 da encíclica O Evangelho da vida que faz um chamamento urgente à oração (e ao jejum) em ocasiões especiais mas também no dia a dia das comunidades cristãs e das famílias, foi para nós uma referência. Embora batalhemos com toda a determinação agindo, sabemos bem que tudo depende da oração. Por isso, não só rezamos como pedimos a todos os mosteiros de contemplativos que, como Moisés orando de braços erguidos no monte, nos garantam o bom sucesso do combate, como Moisés o garantiu às tropas comandadas por Josué contra as de Amalech.
O Papa Bento XVI com os seus contínuos e repetidos ensinamentos sobre a vida e a família tem sido uma fonte de enorme inspiração e encorajamento para todos nós.
11. A partir da sua vivência, por que a mensagem da Igreja (o valor da sã doutrina) tem encontrado, ultimamente, grandes dificuldades de chegar à base da sociedade, principalmente em relação à moral sexual? Quais os fatores que mais interferem? E que respostas a dar diante disso?
Eu creio que o peso desmesurado da publicidade, dos meios de comunicação social e do ensino da escola estatal dificultam muitíssimo um ambiente são em que a verdade possa ser respirada e vivida. Penso, porém que há outros factores a ter em conta. Grande parte de dignitários na Igreja mais ou menos afectados pelos efeitos devastadores da revolução sexual, em nome de uma recusa do puritanismo em que porventura alguns terão sido educados, renuncia ao anúncio da verdade e do significado da sexualidade. Uns desistiram, outros são indiferentes e outros ainda cúmplices na deformação sexual. E, no entanto, a Igreja nos dias de hoje dispõe dum meio excelente e singular para se fazer ouvir e entender. Refiro-me às catequeses sobre a Teologia do Corpo do Papa João Paulo II. Onde esta verdade tem sido anunciada tem gerado conversões e transformações prodigiosas.
Depois importa muito lutar pelo ensino livre, para que possam ser as famílias a escolher livremente, sem serem penalizadas, o tipo de educação que querem para os seus filhos. Nos dias de hoje a salvação da vida e da família joga-se em grande parte na educação livre. O Estado totalitário procura subtrair os filhos à influência dos pais.
Finalmente, os pais têm o grave dever de velar para que os seus filhos não sejam expostos de qualquer maneira ao que passa na TV, ao que se encontra nos vídeos jogos e na Internet.
12. Por que o relativismo parece ter mais força? Diante dessa mentalidade, tem sido muito difícil testemunhar os valores da família, num contexto de apologia explícita a modelos que contrariam os fundamentos da própria civilização. Muitos dizem que é falta de informação. Mas só isso é insuficiente. Faltam mais coisas. A família vem sendo agrilhoada, em todos os aspectos. Por que a evangelização, nesse sentido, tem sido cada vez mais difícil, e tem encontrado maior resistência?
Há grupos minoritários e extremamente bem organizados dotados de enorme poder económico e político que pretendem destruir a família fundada no matrimónio entre um homem (varão) e uma mulher. A pessoa reduzida a indivíduo, sem uma teia de relações vinculantes, destituído das referências filiais/paternais e fraternas, torna-se presa fácil para qualquer manipulador. O homem sozinho torna-se indefeso e rende-se a tudo. Perde a noção da sua dignidade e abdica de toda a liberdade, prestando consentimento à sua própria escravatura. O poder de sedução desses grupos que dominam a propaganda encontra um aliado fácil na fraqueza ou fragilidade do coração humano ferido pelo pecado. O Papa Bento XVI tem indicado o caminho de redenção com toda a clareza, importa segui-lo.
13. Poderia nos indicar dez propostas de políticas públicas em favor da família e da vida humana?
Como sacerdote não é a mim que me compete dar soluções técnicas concretas para os problemas existentes. Isso faz parte das competências dos leigos.
No entanto, sempre posso adiantar que a política tem de estar centrada na dignidade da pessoa humana, desde o momento da concepção até à morte natural, e na família fundada no matrimónio entre um homem e uma mulher. As políticas não poderão penalizar os casais e as famílias, quer economicamente, quer facilitando o divórcio e as uniões de facto. O Estado deve garantir a liberdade de ensino e de educação. E subsidiariamente incentivar a natalidade
14. Poderia nos indicar, do mesmo modo, algumas propostas de ações pastorais, para uma promoção realmente mais eficaz da Igreja (religiosos e leigos) em sua missão de salvaguardar a família e a dignidade da pessoa humana?
i - a) Garantir que ao longo de toda a catequese esteja presente o Evangelho da Vida, em particular no que diz respeito às questões do aborto e da eutanásia; b) Não admitir ao sacramento do Crisma qualquer jovem que não professe a verdade que a Igreja anuncia sobre estas questões; c) Por maioria de razão não aceitar nenhum catequista ou outro responsável eclesial que não adira ou tenha dúvidas sobre essa verdade.
ii – Que nos CPM e outro tipo de preparações para noivos ou casais se ensine a Teologia do Corpo do Papa João Paulo II e os métodos naturais de paternidade responsável.
iii – a) Que em todas as Missas em que se reze a Oração Universal, haja, pelo menos, uma intenção pela defesa da vida; b) Que as Paróquias, Congregações e Ordens Religiosas, e Movimentos organizem (em cooperação uns com os outros ou não) ocasiões excepcionais de oração pela vida); c) Que na catequese e noutras realidades eclesiais se reze habitualmente orações como a que o Papa João Paulo II na sua encíclica nos proporcionou ou a de Nossa Senhora do Ó ou qualquer outra adequada e aprovada.
iv – Que ao longo do ano os sacerdotes façam várias homilias sobre o tema, aproveitando festas como a da Anunciação, por ex, ou leituras que venham a propósito, ou, uma vez que a homilia também pode versar sobre isso, a antífona de entrada ou a oração da colecta, etc. Podem encontrar-se muitas sugestões em www.priestsforlife.org .
v – Que as Dioceses ou a nível nacional se organizem acções de formação para o Clero sobre o Evangelho da Vida, em particular no que diz respeito à formação das consciências. Importa ainda dar uma formação específica sobre as relações entre a lei civil e a lei moral, sobre as leis intrinsecamente injustas, etc; sobre direitos humanos e sobre a verdadeira democracia.
vi – É necessária uma particular atenção aos políticos católicos. A maioria parece ter um conceito relativista da democracia, que é obviamente incompatível com a fé e a lei natural. Depois são de uma ignorância e de uma ingenuidade extraordinárias no que diz respeito às questões morais, às questões de defesa da vida, da sexualidade, da educação, etc. Não basta emitir notas pastorais ou outro tipo de documentos nem deixá-los à mercê de conselheiros espirituais ignorantes ou dissidentes, embora com grande projecção mediática, em relação à verdade anunciada pela Igreja para o bem de todos. Creio que seria indispensável um contacto personalizado da parte dos seus Pastores e propor-lhes formação adequada ao seu nível cultural apostando em encontros ou convénios especificamente dirigidos a eles e sem recear convidar gente estrangeira qualificada para conceder essa formação.
vii – Julgo que também seria urgente que em cada Diocese os Pastores convidassem os católicos de maiores responsabilidades políticas e sociais pedindo-lhes pessoalmente que se empenhassem, desde já, em acções concretas de defesa da vida, procurando organizar-se, não só para impedir alargamentos da lei actual do aborto, mas também para abolir a lei 6/84, o DIU, a contracepção de emergência, etc.: Pede-se «aos Pastores, aos fiéis e aos homens de boa vontade, em especial se são legisladores, um renovado e concorde empenho para modificar as leis injustas que legitimam ou toleram essas violências. Não se renuncie a nenhuma tentativa de eliminar o crime legalizado ... » (João Paulo II, Discurso aos participantes no encontro de estudos, pelo 5º aniversário da encíclica Evangelium Vitae (5º aniv. EV), 4) E ainda: Não «há nenhuma razão para aquele tipo de mentalidade derrotista que considera que as leis que se opõem ao direito à vida - as que legalizam o aborto, a eutanásia, a esterilização e os métodos de planeamento familiar que se opõem à vida e à dignidade do matrimónio - são inevitáveis e até quase uma necessidade social. Pelo contrário, são um gérmen de corrupção da sociedade e dos seus fundamentos.». (5º aniv. EV, 3).
viii – É preciso que se cumpra o cânon 915 do Código de Direito Canónico: Não se pode dar a Sagrada Comunhão a quem legisla, favorece, se conforma, vota ou faz campanhas por leis intrinsecamente injustas, como a que admite o aborto. É certo que qualquer Pároco tem o dever, depois de um juízo prudente, de negar a Sagrada Comunhão a quem perseverar obstinadamente nesse pecado, isto é a quem não se arrepender, retractando-se publicamente. No entanto, uma palavra autorizada dos Senhores Bispos, à semelhança do que têm feito alguns Arcebispos nos USA e em outros países, poderia ser de grande encorajamento e servir para a formação das consciências. Não se pode deixar de reconhecer que o respeito pelo culto e pela reverência devida a Deus e a Seu Filho sacramentado, o cuidado pelo bem espiritual dos próprios, a necessidade de evitar escândalo, e a preocupação pelos sinais educativos e pedagógicos para com o povo cristão e para com todos, pedem que se pare, de imediato, com este gravíssimo escândalo de admitir à Sagrada Comunhão políticos e outros com responsabilidades no aborto.
ix – As instituições e os meios de comunicação social da Igreja não devem convidar nem admitir para nelas trabalhar, palestrar ou conferenciar pessoas com responsabilidades públicas no aborto ou seus apoiantes.
x – Os órgãos de Comunicação Social da Igreja têm de ser exemplares na fidelidade ao Evangelho da Vida. Não podem dar azo a ambiguidades. Devem conceder uma formação habitual e constante através de artigos ou de programas sobre as diversas vertentes do Evangelho da Vida. O critério de escolha para as pessoas a convidar, não deverá depender do peso mediático, dos títulos, mesmo eclesiais, mas da competência e da fidelidade à verdade que a Igreja anuncia. Basta de induzir os católicos em erro apresentando-lhes como verdade a doutrina adulterada e falsificada.
xi – Continuar o apoio às instituições de apoio às mães grávidas, às mulheres que abortaram e todos os que estiveram envolvidos nalgum aborto, às crianças em risco, aos idosos desamparados.
xii – Constituir equipas de leigos e padres que percorram o país de lés a lés, as paróquias e não só, dando formação sobre o Evangelho da Vida.
xiii – É preciso que Fátima se transforme no centro do anúncio e da celebração do Evangelho da vida em Portugal e na Europa. Nossa Senhora, em 1917, advertiu que se não se fizesse o que Ela pedia a Rússia espalharia os seus erros pelo mundo inteiro. Ora a Rússia foi o primeiro país do mundo a legalizar o aborto. Além disso, como recorda João Paulo II, nas questões do aborto e da eutanásia dá-se uma “guerra dos poderosos contra os débeis”, e como todos sabemos a mensagem de Fátima está intrinsecamente ligada com a Paz. Também o Papa Bento XVI na sua última mensagem para a paz advertiu que “o aborto e as pesquisas sobre os embriões constituem a negação directa da atitude de acolhimento do outro que é indispensável para se estabelecerem relações de paz estáveis.”.
xiv – Garantir uma formação fiel à verdade anunciada pelo Magistério da Igreja nos seminários e na Universidade Católica Portuguesa.
15. No Brasil, o "Movimento Legislação e Vida", vem buscando uma atuação junto aos parlamentares para evitar a aprovação de leis anti-vida. As pesquisas dizem que 97% da população brasileira é contra o aborto, mas 70% dos nossos parlamentares são a favor. Isso quer dizer que os representantes do povo não estão em sintonia com o que realmente pensa a maioria da sociedade. Os lobbys anti-vida agem no Congresso, porque sabem que é mais fácil fazer a cabeça dos parlamentares do que de toda a população. Como o senhor vê essa situação? E como é essa realidade em Portugal?
Quanto a mim, tem sido muito descuidada a formação dos católicos no respeitante à hierarquia de valores e ao comportamento na vida política. Para um discernimento verdadeiro em quem votar para nosso representante importa muito estudar a Nota Doutrinal da Congregação para a Doutrina da Fé “sobre algumas questões relativas à participação e comportamento dos católicos na vida política” (16. 01. 2003).