Tanto quanto me lembro sempre fui muito reticente às pregações que enchiam os ouvidos das pessoas com as palavras amor e felicidade sem concomitantemente explicitar o seu conteúdo nem ensinar os meios aos quais recorrer para se poder viver as realidades que as mesmas indicam. E a razão fundamental é a de que estas palavras têm servido, desde há muito, como justificação e incentivo para os maiores dislates e barbaridades.
De um modo geral estas palavras sugerem naqueles que as ouvem, nos dias de hoje, um estado pessoal de bem-estar, entendido este como uma grande gratificação física, emocional e afectiva, a que se tem direito independentemente dos meios usados para o alcançar. Em vez de provocarem uma saída de si, encerram-nos mais em si.
Esta é uma forte razão pela qual a generalidade dos cristãos não vê nenhuma contradição entre o seu estilo de vida contrário aos mandamentos e às bem-aventuranças, e a doutrina da Igreja que lhes é anunciada. Pelo contrário, julgam, frequentemente de boa-fé, que estão vivendo uma existência virtuosa ou, como os padres pregam, a passar para a vida a Fé que lhes foi anunciada. Por isso, ficam completamente desconcertados quando ouvem, dizer pela comunicação social, ou por algum sacerdote que a sua vida não é concorde com a verdade que o Magistério proclama. Persuadem-se então de que a Igreja ensina coisas alheias à Revelação de Deus e aos doces ensinamentos de Jesus Cristo.
É assim, por exemplo, com a masturbação, com as chamadas relações sexuais pré-matrimoniais, com os actos homossexuais, com o divórcio e o adultério, com os actos bissexuais, com a contracepção, com a esterilização, com a reprodução artificial, com a investigação letal em seres humanos embrionários, com o aborto provocado, com o suicídio assistido, a eutanásia, etc. Muitas pessoas não só não vêm nenhuma contradição entre qualquer uma destas questões e o amor e a felicidade senão que muitas vezes acham que são verdadeiros actos de amor imprescindíveis quer para a sua felicidade quer para a dos outros.
Estas são algumas das razões porque sempre achei que era absolutamente necessário insistir sobre a Cruz, sobre a renúncia, sobre o sacrifício, sobre o valor salvífico do sofrimento. Nunca prescindi nas minhas pregações, é claro, de falar do amor e da felicidade, mas procurei sempre enquadrá-las no seguimento de Cristo e no exemplo dos santos. Creio que o facto de ser muito dado à leitura da vida e obras dos santos, bem como à meditação de autores espirituais de distintos séculos da Igreja me fez perceber que alguns temas e assuntos em que eles insistiam estavam praticamente ausentes do anúncio evangélico que fazemos no nosso tempo.
Acresce que sempre tive a maior das dificuldades em anunciar o Sim evangélico sem o alicerçar bem no chão do Não veterotestamentário. Foi-me dado compreender que importava muito fazer entender àqueles que me escutavam que há coisas ou actos que são sempre e por si mesmos incompatíveis com o verdadeiro amor e a verdadeira felicidade. E verifiquei que há que deter-se, explicá-lo uma e outra vez, esmiuçar e repetir continuamente para que o consigam assimilar.
Ao dizer estas coisas, não quero de modo nenhum dar-me como exemplo, que o não sou, mas tão só partilhar algo que me foi dado perceber. Se o tenho conseguido ou não, Deus o sabe.
Nuno Serras Pereira
17. 11. 2008