Nesta “guerra dos poderosos contra os débeis” 1, como lhe chamou João Paulo II na Encíclica O Evangelho da vida, que se trava em relação à liberalização do aborto, os miúdos bandos do Não, por amor têm combatido “o bom combate” 2, em frentes múltiplas, com a sagacidade própria dos guerrilheiros perante a poderosa e avassaladora imponência das forças oponentes. Estes combates originais, não só pelos métodos como pelos propósitos, têm como um dos objectivos principais confundir os portadores do inimigo, esvaziando-os das potências manipuladoras, para que se convertam à verdade do amor e passem a viver do amor à verdade. Nesta missão vital e, num certo sentido, de alto risco são necessárias competências singulares, dificílimas de encontrar. Não basta a generosíssima entrega, de resto imprescindível, de quem sacrifica família e dinheiro, sucesso e honra, numa incansável doação que não conhece tréguas. São inúmeros os membros da resistência de quem nos devíamos aproximar com uma reverência semelhante à de Moisés diante da sarça-ardente. Neles, não obstante as suas fragilidades de barro, torna-se verdadeiramente presente Aquele que disse: Eu Sou Aquele que Sou – para vós; operando prodígios que confundem os adversários.
Importa muito entender que esta guerra é essencialmente espiritual “porque não é contra os seres humanos que temos de lutar, mas contra os Principados, as Autoridades, os Dominadores deste mundo de trevas, e contra os espíritos do mal que estão nos céus.”3.
É por isso que para ver a verdade não basta olhar ou raciocinar, embora isso seja indispensável, é preciso querer 4 ver, e este querer é suscitado pela presença de Cristo que o faz brotar para lhe dar remédio: “Senhor que eu veja! Jesus disse-lhe: Vê. A tua fé te salvou.” 5. Esta cura física é sinal de uma cura interior a que os primeiros cristãos chamavam iluminação e a que nós chamamos baptismo. Esse o motivo porque esta narração era usada no catecumenato. Sabemos, no entanto, que a iluminação ou revelação pode de algum modo como que antecipar-se, para nele desembocar, ao baptismo sacramental, como aconteceu com Cornélio, baptizado por S. Pedro 6. Ou, ainda, mais eloquentemente quando diante do Crucificado um dos malfeitores Lhe suplica: “Jesus, lembra-Te de mim, quando tiveres entrado no Teu Reino” 7; e perante a Sua morte o centurião romano exclama: “Verdadeiramente este homem era Filho de Deus!”8 Na presença de Jesus Cristo Crucificado até os mais cegos de entre todos os cegos, isto é, aqueles que ignoram a sua cegueira e que portanto não se conhecem como tais, podem começar a ver.
Mas como tornar o Crucificado presente, com a força da Sua ressurreição, senão através daqueles que oferecem os seus sofrimentos completando na sua carne o que falta às tribulações de Cristo, pelo Seu Corpo, que é a Comunhão de vida e amor a que todos são chamados? 9 E quem são esses senão os doentes, os enfermos, os acamados, os idosos, os deficientes, os moribundos, os esquecidos e abandonados. Quem são eles senão os que com Cristo estão crucificados 10 fazendo da sua dor uma oferenda de amor pela nossa salvação.
Estes são os comandos altamente especializados, uma verdadeira e singularíssima elite, por quem a Virgem Maria em Lurdes mostrou particular preferência e carinho. São estes que com as suas poderosíssimas e potentíssimas armas espirituais nos garantirão, pelos méritos de Cristo derramados em nós pelo Seu Espírito vivificante, totalmente presente em Maria, a cheia de Graça, que nos assegurarão “que a força que vem do Alto [fará] ruir os muros de enganos e mentiras que escondem, aos olhos de muitos dos nossos irmãos e irmãs, a natureza perversa de comportamentos e de leis contrárias à vida, e [abrirá] os seus corações a propósitos e desígnios inspirados na civilização da vida e do amor.” 11
É urgente enviar-lhes agentes que os recrutem para esta nobilíssima missão impossível, “porque a Deus nada é impossível”. 12
Nuno Serras Pereira
05. 01. 2007
_____
João Paulo II, O Evangelho da vida, nº 12
1 Tim 6, 12
Ef 6, 12
Fl 2, 13
Lc 18, 41-42
Act 10, 9-48
Jo 23, 42
Mc 15, 39
Cf Cl 1, 24
Cf Gl 2, 19
João Paulo II, opus cit., nº 100
Lc 1, 37; Cf Mt 19, 26