Santo António de Lisboa, num dos seus sermões, compara os maus prelados a vacas obesas e selvagens. Segundo os naturalistas daqueles tempos existiria um tipo de vacas que quando eram perseguidas pelos caçadores lhes lançavam de longe trampa que atingindo-os e cegando-os temporariamente os detinha e retardava possibilitando-lhes assim a fuga. Os caçadores diz Santo António são os pregadores a quem os prelados oferecem bens temporais, eis aí o esterco, para que, tornados cegos, não os atinjam com o dardo da verdade.
Estou em que esta advertência permanece actual se considerarmos que bens temporais não são meramente os económicos, mas a fama, o prestígio, a lisonja, os cargos, os postos, a complacência, as preferências, etc. Será que nos dias de hoje desapareceu aquele género de sacerdote que cala a verdade ou desiste de a praticar por medo às consequências, indiferenças e perseguições que lhes podem advir por parte dos seus prelados?
E mais grave ainda não será que os prelados de ontem poderão de algum modo significar os senhores destes tempos, deste mundo, os que detêm o poder político, económico e da comunicação social; e os Bispos - cuja principal missão é a de anunciar o Evangelho, nos dias de hoje -, aos caçadores? Se assim for também se lhes aplicará a admoestação de Santo António: “Quem prega a verdade, confessa a Cristo; porém, quem cala na pregação, nega a Cristo. A verdade gera o ódio; e por isso alguns, para não incorrerem no ódio de uns certos, velam as bocas com o manto do silêncio. Se pregassem a verdade, como a questão se apresenta e a própria verdade requer e a divina Escritura abertamente manda … incorreriam no ódio dos carnais … Ó pregadores cegos, porque temeis o escândalo dos cegos, incorreis na cegueira da alma.” Estes tais, para usar uma outra comparação do Santo, num outro sermão, não têm testículos (repito que isto não é meu mas de Santo António) e por isso são incapazes de gerar boas obras, de gerar conversões.
Nuno Serras Pereira
20. 10. 2008