«O pregar é entrar em batalha com os vícios … A pregação que frutifica, a pregação que aproveita não é aquela que dá gosto ao ouvinte, é aquela que lhe dá pena»
P. António Vieira
Contrariamente ao que muitos poderão pensar, apesar de em Portugal ser praticamente o único a usá-lo, não fui eu quem inventou o termo abortófilo. Tanto quanto me é dado saber ele foi cunhado (ou pelo menos é usado) pelo Dr. Bernard Nathanson, um dos principais fautores da legalização e liberalização do aborto nos USA, e, como ele escreve, “pessoalmente responsável por setenta e cinco mil abortos” ; entre os quais se conta um do próprio filho.
Por que razão este médico, agora convertido ao Evangelho da vida, recorre a um termo como este para descrever o que ele próprio tinha sido? Consciente do mundo de mentira, delírio e alucinação em que esteve enredado, emprega este vocábulo, seguramente, não por considerá-lo ofensivo mas sim, muito provavelmente, por entender os benefícios que o seu uso pode trazer para todos os que se encontram no estado em que ele esteve e, ainda, com o objectivo de impedir que haja quem caia no engodo da propaganda necrófila. A palavra que diz a verdade tem o poder de a comunicar quebrando desse modo as cadeias interiores que nos mantêm cativos dodó mal.
Ninguém que me conheça aqui em Lisboa ignora que na minha juventude fui um pecador público e notório. Um dia contaram-me que alguém tinha perguntado por mim a um amigo meu e que este teria respondido que eu andava sempre bêbado. O meu espanto e exaltação foram grandes. Ser assim caluniado e reduzido à condição de alcoólatra por um “dito” amigo! E, no entanto, como vim a perceber mais tarde era a verdade pura e crua. Aquela palavra que primeiro me exasperou a ponto de rugir fúrias imensas acabou por lançar uma luz que me esclareceu, fazendo-me tomar consciência do estado em que sobrevivia. Aí, numa medida significativa, começou a minha recuperação.
Alguns anos depois li que Santa Mónica, antes de o ser, quando era nova, embriagava-se na adega de sua casa. Até que um dia, uma escrava lhe disparou: sua bêbada! Isto chocou-a de tal modo que, a partir daquele dia nunca mais se entornou.
Nos dias de hoje existe a convicção generalizada de que o amor, para o ser verdadeiramente, tem de ser lamechas. Mas a verdade é que esse amor aparente acaba por afundar em vez de salvar. Movimentos tais como os Alcoólicos ou os Narcóticos Anónimos sabem-no muito bem e, por isso, recorrem àquilo que designam por amor duro.
Longe de mim advogar que toda a gente pró-vida, em todas as circunstâncias, se expresse do mesmo modo ou recorra ao mesmo tipo de linguagem que eu. Mas que às vezes tem de ser, lá isso parece que tem.
Nuno Serras Pereira
16. 02. 2008