João César das Neves
Diário de Notícias
08. 12. 2008
No dia da Imaculada Conceição, rainha de Portugal, é bom considerar a situação da Igreja Católica. Estranhamente, mesmo entre fiéis mantém-se consensual a sensação de decadência da Fé face aos séculos passados. Mas a experiência histórica aponta precisamente no sentido oposto: vivemos um dos melhores períodos dos 2000 anos de vida cristã.
A evolução histórica da Igreja de Jesus Cristo é uma longa sequência de terríveis problemas. O que apenas confirma a profecia do Fundador, que nunca prometeu facilidades mas sofrimentos e perseguições. Logo os primeiros séculos foram de martírio. A "paz de Constantino" trouxe, não a calma, mas o ataque pior do Arianismo e demais heresias. Assim que a hierarquia se organizou na estrutura do Império, este ruiu nas invasões. Coube à Igreja a lenta e difícil reconstrução da Europa, civilizando os bárbaros. A Cristandade, nascida desse esforço multissecular, permanece o ideal mítico de onde dizemos decair.
O ideal foi real. A decisiva influência medieval da Igreja gerou o dinamismo da modernidade. Mas o período foi tudo menos pacífico. Além da dolorosa clivagem com o Oriente ortodoxo e da invasão turca que forçou as cruzadas, o envolvimento político do clero foi sempre ambíguo e doloroso. A "querela das investiduras" e os conflitos feudais conduziram ao "cativeiro da Babilónia" e ao grande cisma. Por fim, quando a Igreja se globalizava nas caravelas, a suprema ruptura da reforma protestante gerou 200 anos de guerras religiosas. Os 200 anos seguintes de ataques maçons e perseguição ateia conduziram ao nosso tempo.
Nesta intensa história, o presente surge como uma das melhores épocas, interna e externamente. No interior vive-se paz doutrinal e vigor apostólico. Governada há décadas por papas santos na unidade do colégio episcopal, a renovação conciliar e a multidão de movimentos e carismas trouxeram vitalidade espiritual. Externamente, apesar do martírio, o mundo contemporâneo permitiu uma das convivências mais pacíficas. Ao longo dos séculos o poder político saltitou entre duas estratégias opostas limitativas da liberdade religiosa. A primeira persegue, ataca e despedaça a Igreja. Pode-se chamar a isto a atitude de Pilatos, que prende, tortura e mata Cristo. A outra posição acarinha, abafa e controla a religião para finalidades profanas. Esta é a atitude de Herodes, que na Paixão quis entreter a corte com milagres de Jesus. Como o Mestre, a Igreja passou dois mil anos de Herodes para Pilatos. Hoje, apesar dos conflitos, abusos, manipulações, até do martírio, a inserção da Igreja na sociedade democrática é das mais saudáveis e sólidas. Mas não serão reais os sinais de decadência da Fé? Que dizer da crise de vocações, redução do culto, perda de influência religiosa? Esse problema reside, não na Igreja, mas na Europa. A Igreja vive no mundo como sempre. Foi o velho continente que abandonou as suas referências culturais e se debate na triste desorientação civilizacional.
Não é novidade. A atitude da sociedade contemporânea face à Igreja retoma velhas profecias, repetindo a apostasia do povo eleito no Antigo Testamento: "Os filhos de Israel abandonaram a Tua aliança, derrubaram os Teus altares e mataram os Teus profetas." (1Rs 19, 14). Pio IX, João Paulo II e Bento XVI enfrentam aquilo que testemunharam Moisés, Elias e Jeremias. Quem conhece a história da salvação não se admira do que vê à nossa volta. Já S. Agostinho, no estertor do Império face aos vândalos, afirmou: "Muitos queixam-se do seu tempo, como se tivessem sido melhores os tempos antigos. Porventura não murmurariam igualmente se pudessem voltar aos tempos dos antepassados? Sempre julgas melhor o tempo passado, simplesmente porque não é o teu" (Sermão Caillau-Saint-Ives 2, 92).
Hoje vivemos "a nova Primavera de vida cristã que deverá ser revelada pelo Grande Jubileu, se os cristãos forem dóceis à acção do Espírito Santo" (João Paulo II, Tertio Millennio Adveniente, 1994). Não admira: celebramos a festa da Imaculada Conceição, Primavera da Redenção.