De há umas décadas a esta parte muitos prelados parecem viver espavoridos com o afastamento das pessoas da Igreja. Tem-se aliás a impressão que a mais grave acusação que se pode fazer a alguém, a nível eclesial, é a de ter dito qualquer coisa que arreda as pessoas da Igreja. É como se esta devesse ser uma sedutora especializada em mercadização cujo sucesso se deveria medir pela quantidade de aderentes ou de consumidores dos seus serviços religiosos.
Recordo-me que há uns anos - aquando do considerado polémico anúncio num jornal nacional sobre a Sagrada Comunhão e o aborto provocado - um jornalista me perguntou se não receava que essa minha tomada de posição pública distanciasse as pessoas da Igreja. Não me recordo das palavras exactas que proferi mas a resposta só pode ter sido que isso ultimamente era irrelevante, que não tinha medo nenhum, que as pessoa eram livres de fazerem o que entendessem mas importava que o fizessem com conhecimento de causa e para isso era necessário que soubessem a verdade.
Também agora, a propósito dos quarentas anos da encíclica Humanae Vitae, se ouvem de novo as monótonas acusações de que esse documento afugentou muitas pessoas da Igreja. A recriminação está feita de tal modo que muitas pessoa são levadas a pensar que o ensino nela contido é uma invenção do Papa Paulo VI, quando, na verdade, é doutrina contida nas Sagradas Escrituras e constantemente proclamada pela Igreja universal.
De modo que segundo estas luminárias a Igreja devia andar à deriva seguindo as mudanças volúveis das opiniões e governando-se por sondagens e plebiscitos permanentes. A Igreja não seria depositária da Verdade que lhe foi concedida para a comunicar, viver e aprofundar mas seria fabricada pelos caprichos das multidões; não seria a presença de Jesus Cristo continuada na história para redimir a humanidade, mas ela e ultimamente o próprio Cristo é que deveriam ser resgatados, salvos pelo mundo.
Mas não sei ao certo o que será mais prejudicial. Se estas acusações que de tão absurdas mostram o disparate que são se o silêncio programado e incessante sobre essa doutrina. Eu tenho para mim que os fiéis mas também aqueles que não pertencem à Igreja têm o direito de saber qual a sua verdadeira identidade, a doutrina que proclama, a Verdade que comunica. Creio ainda que se a Igreja deixa dissolver a sua identidade na mentalidade reinante tanto menos gente terá porque senão existem diferenças no modo de viver, se tudo é igual, se o Cristianismo não é um caminho, não é um seguimento, qual o ponto em ser cristão? Não passaria, então, de uma preferência meramente afectiva no hipermercado sincrético das religiões.
Porém, o que mais me espanta nisto tudo é que Cristo fez exactamente o contrário daquilo que parece estar generalizado numa certa prática eclesial. Quando depara com as multidões que O seguem, dirige-se a elas com uma franqueza assustadora: Quem quiser vir após Mim renuncie a tudo quanto tem, tome a sua cruz e siga-Me. Quem não Me ama mais do que a si mesmo e aos seus amigos e familiares mais chegados não pode ser Meu discípulo.
Quando revelou que o Seu Corpo era verdadeira comida e o Seu sangue verdadeira bebida, e que quem não se alimentasse deles não poderia entrar na vida eterna, a multidão que o rodeava afastou-se agastada tendo aquelas palavras como insuportáveis. E, no entanto o Senhor, não procurou demover ninguém de se ir mas, pelo contrário, perguntou aos seus apóstolos se também se queriam ir embora.
Nuno Serras Pereira
11. 11. 2008